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50+1: regra que define (e divide) o futebol alemão

Como sucesso do RB Leipzig expõe o sistema de sócios na Alemanha, com prós e contras.


Atualmente com a segunda melhor campanha do Campeonato Paulista, empatado com o Palmeiras e logo atrás do Santos, está um clube chamado Red Bull Brasil. Talvez "clube", para alguns, não seja a palavra mais apropriada. De fato, a equipe de Campinas tem muito mais jeito de franquia, no formato de gestão americano – ou, em casos específicos, europeu. Propriedade de uma empresa austríaca, cuja marca está presente logo no nome e no escudo da agremiação, o time causa constrangimentos na própria forma com o que o futebol é pautado e discutido. Afinal, o energético não é um mero patrocinador. E nem mesmo apenas dono dos "naming rights", como o futebol brasileiro já viu ocorrer com o Paulista, que virou Etti Jundiaí por quase cinco anos. A Red Bull é a própria franquia. Às vezes, com o argumento da publicidade gratuita, o nome do time é até mesmo censurado na mídia. Mas na Alemanha, por exemplo, o buraco é ainda mais embaixo.


Se chamar o Red Bull Brasil de RB Brasil é pura censura, a equipe alemã irmã do time brasileiro realmente se chama RB Leipzig. Todos sabem, é claro, o que o "RB" significa, mas ao contrário do Red Bull Salzburgo e do New York Red Bulls, a franquia é simplesmente proibida de ter como nome a marca da empresa. Ao contrário do Bayer Leverkusen, por exemplo, que surgiu como o clube dos trabalhadores da gigante farmacêutica (e depois foi apoiado e patrocinado por ela), o RB Leipzig nasceu após a multinacional adquirir parte dos direitos esportivos do SSV Markranstädt e das categorias de base do Sachsen Leipzig, que estava à beira da falência. Na prática, uma manobra para entrar no sistema de ligas alemão e começar a escalada até o topo. De manobras, aliás, a história da equipe está cheia. E o nome é a menor delas. Na verdade, a principal tem a ver com uma importante regra do futebol alemão: a norma dos 50+1.


Nesta Liga Europa, RB Leipzig e Red Bull Salzburgo caíram no mesmo grupo e se enfrentaram duas vezes: em competições da UEFA, os austríacos também precisam jogar com um escudo alterado e o nome de "FC Salzburgo". (Steffen Prößdorf/Creative Commons)

Criada para impedir que mais de 50% dos ativos de qualquer clube fiquem concentrados em um único acionista ou empresa, a regra está sob contestação. Existente desde 1998 (antes, os times alemães sequer podiam vender ações), as únicas exceções à norma são participações de mais de 20 anos no financiamento de uma agremiação – como no caso do próprio Leverkusen, além de Wolfsburg e Hoffenheim. Tirando estas situações, o poder de decisão, por conta dos 50+1, está sempre com os membros associados do clube. E o time da Red Bull, tecnicamente, não quebra o padrão. Há, afinal, uma forma de ser sócio: é só pagar uma joia de 100 euros e mais 800 por temporada. Ah, e o clube também reserva o direito de rejeitar associados sem explicacão. Para comparar, é preciso apenas 60 euros para ser um dos quase 300 mil sócios do Bayern de Munique. Até 2016, o RB Leipzig tinha 17 sócios – quase todos funcionários da Red Bull.


O exemplo da equipe dá, de imediato, um argumento que pode ser o único a unir tanto defensores quanto detratores da regra dos 50+1: ela precisa ser modificada. Para quem a apoia, ela tem que ser endurecida, o que fica claro quando um clube, na prática, pode burlá-la sem precisar descumpri-la; e para quem quer que a norma acabe, o time da Alemanha Oriental é apenas o precursor de um novo momento que o futebol do país precisa viver. Sim, além de tudo a cidade de Leipzig fica na parte do país que costumava ser comunista e que, até hoje, vive financeiramente e estruturalmente à sombra do lado ocidental; inclusive no futebol. Quando o RB Leipzig chegou à Bundesliga, em 2016, foi o primeiro time da antiga Alemanha Oriental na primeira divisão desde 2009 – e apenas o quinto no geral. A seleção alemã das Copas de 2010, 2014 e 2018 só tinha um jogador da região: Toni Kroos.


O desdém ao RB Leipzig não vem apenas das arquibancadas, mas também das instituições. O Borussia Dortmund já chegou a negar ao clube uma licença de uso do seu escudo, que estaria em cachecóis especiais para uma partida entre as duas equipes, em Leipzig.

Por um lado, os argumentos de crescimento do futebol alemão como um todo (inclusive as áreas menos favorecidas), a capacidade de competir mais fortemente no nível europeu, com os clubes ingleses e espanhóis, por exemplo, e talvez até uma contestação interna ao Bayern de Munique, com mais clubes se tornando atrativos para investidores externos, algo que não acontece com a regra dos 50+1. Pelo outro lado, a identidade. Simples assim. As torcidas organizadas alemãs são extremamente politizadas e envolvidas no cotidiano de seus clubes, funcionando como defensoras da cultura futebolística local. Não é coincidência que quase todas elas tenham se posicionado fortemente contrárias ao fim da norma. Nem é o caso de ser contra o investimento, mas defender que ele deve ser submetido à vontade dos sócios – o espírito da regra dos 50+1. A propriedade societária do clube, em tese, impede aventureiros, mas também limita o crescimento.


Ver os torcedores lutando por algo que pode, a longo prazo, ser esportivamente ruim para o próprio clube, em nome de algo que consideram maior, é no mínimo intrigante. Mas quem pode realmente dizer que o RB Leipzig não tem (ou não criará) identidade particular (em especial carregando o orgulho do lado oriental), apenas por ter uma história diferente? A equipe já se tornou, em pouco tempo, a mais odiada da Alemanha, por seu berço empresarial em um futebol muito ideológico. Até isso já vira parte da identidade do clube. Talvez haja espaço para os dois formatos, mas a queda de braço segue. A torcida do Borussia Dortmund, por exemplo, já conseguiu vetar um aumento no preço dos ingressos, devido à associação em massa. Isso não pode ocorrer em Leipzig. O outro lado é que, em tese, o clube está blindado de crises como a que o Dortmund viveu em 2004. Isso se continuar a ser o favorito da Red Bull. Antes, a menina dos olhos era o Salzburgo, que hoje manda os seus talentos para Leipzig...


 

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