A contraditória vida tricolor de Juvenal Juvêncio
Ex-presidente do São Paulo faria 85 anos: história marcada por conquistas e bravatas.

"Nunca escalei jogador. Só sugeri". A afirmação debochada poderia vir da boca de inúmeros dirigentes brasileiros, de Eurico Miranda a Mário Celso Petraglia. O dono da bravata, Juvenal Juvêncio, não foi uma figura exatamente única. Há muitos com o perfil dele na história do futebol brasileiro, com direito até aos clichês do uísque e do charuto. Figuras que se criaram politicamente, cada uma em seu clube, ainda nos anos 1980. Juvenal foi um que aprendeu o caminho das pedras, de cima a baixo, para conhecer cada centímetro (tanto fisicamente quanto da alma) do São Paulo Futebol Clube. Vice-presidente de futebol, conselheiro, diretor de futebol, presidente. Até os caminhos e o envolvimento eterno no cotidiano do seu clube, independente da posição, assemelham o "JJ", como era conhecido, de colegas contemporâneos. Mas Juvenal não era Eurico. Não era Petraglia. Para o bem e para o mal, Juvenal era apenas ele mesmo.
Na ocasião da morte de JJ, em dezembro de 2015, o ídolo tricolor Luis Fabiano declarou que "uma característica marcante nele era a sinceridade. Comigo, pegava duro, não tinha esse negócio de passar a mão na cabeça. Quando tinha de bater, ele batia. Mas, ao mesmo tempo, tinha um coração enorme, era alegre e irreverente. Vai fazer muita falta". Juvenal Juvêncio talvez tenha, mais do que qualquer outro, capturado o espírito boleiro mesmo sentado atrás de uma mesa. Seu sucesso, entretanto, veio antes da cadeira de presidente que o marcou. Foi diretor de futebol da primeira gestão Carlos Miguel Aidar, na década de 1980, montando elencos vitoriosos: no período, o São Paulo conquistou inclusive o seu segundo Brasileiro, em 1986. Muitos dos mais altos e dos mais baixos momentos do tricolor paulista, por 30 anos, carregaram a impressão digital de Juvenal. Neste 25 de fevereiro, se vivo ainda fosse, o dirigente completaria 85 anos.

Considerando que o próprio São Paulo completou 89 anos no último mês de janeiro, outro clichê vale para Juvenal Juvêncio: a história dele está, de fato, totalmente entrelaçada à do clube. Primeiro como torcedor, é claro, mas a ambição sempre esteve além disso. O "doutor Juvenal", advogado e investigador policial, chegou a ser deputado estadual e diretor de companhia governamental antes de abraçar de vez o cotidiano do São Paulo. O tino para a política (e para o poder) era óbvio. E na gestão do futebol, a competência também era, como ficou marcado pelo time de Careca, Müller e Silas. Quando Juvenal chegou à presidência pela primeira vez, entretanto, o tricolor viveu altos e baixos. Foi em abril de 1988, por apenas um voto. Um ano sem brilho, seguido pelo início de uma reabilitação: título estadual e vice do Brasileiro em 1989. E no ano seguinte, o pior momento da história do time do Morumbi. O suposto rebaixamento no Campeonato Paulista.
Não, o São Paulo não caiu, simplesmente porque não havia rebaixamento. A história é longa e complexa, certamente tema para outro texto. Mas foi vergonhoso. Isso é incontestável. E o gosto ruim ficou. Já na primeira passagem como mandatário, Juvenal deixou legado contraditório: marcou o tricolor com um vexame histórico, mas é inegável que deixou sementes. Bicampeão paulista, campeão brasileiro, bicampeão da Libertadores e do Mundial. O São Paulo do início da década de 1990, já sem Juvenal, levantou tantas taças que as duas Recopas, a Supercopa e a Copa Conmebol ficam até fora do radar. Certamente feliz como torcedor, JJ também sentiu o baque no ego. Não era o responsável pelo ápice do clube. Afastou-se dos grandes cargos por muito tempo. Coincidência ou não, o tricolor também se afastou dos grandes títulos. Passou cinco anos sem ganhar torneios fora do estado. Até que, contrariado, Juvenal voltou.
Marcelo Portugal Gouvêa, diretor de futebol na gestão JJ, entre 1988 e 1990, era presidente do São Paulo em 2002. Havia vencido sua eleição por apenas dois votos. As semelhanças com o colega advogado eram inúmeras. E após muito convencimento, Juvenal aceitou inverter os papéis do fim dos anos 1980. Foi ele o diretor de futebol que montou o time da reconstrução são-paulina, primeiro levando a equipe de volta à Libertadores após uma década, depois papando taças em 2005: paulista, a própria Libertadores e o Mundial. Sempre empreendedor, JJ também liderou o esforço do clube na construção do REFFIS e do Centro de Formação de Atletas, em Cotia. Ambos, rapidamente, viraram referências. A dupla de Juvenal e Marcelo era quase perfeita, com o presidente também liderando um saneamento financeiro importante para o São Paulo – ponto de dificuldade para JJ. Era notório que o forte de Juvenal era o futebol e o institucional, não as finanças.
Uma das mais dolorosas derrotas políticas de JJ, admitida por ele e por pessoas próximas, foi a escolha da Arena Itaquera como o estádio da capital paulista para a Copa de 2014. O mandatário trabalhou anos nos bastidores para que o Morumbi fosse a sede, considerando a escolha óbvia. Não era.
Não foi difícil para a situação eleger Juvenal Juvêncio em 2006. O tricolor estava de novo no ápice. E desta vez, ele seria extremamente bem-sucedido também como presidente. O tricampeonato brasileiro consecutivo, único, dispensa lembranças. Foi já na onda do bi que Juvenal foi reeleito, pela primeira vez para um mandato de três anos, após mudança no estatuto do clube. O ponto que entornou, de vez, o legado de JJ. Quando chegou a hora de deixar o poder, em 2011, alegou que, pelo novo estatuto, tinha apenas um mandato e poderia se reeleger. De novo. Empurrou goela abaixo, do clube e da torcida, mais três anos. E expôs seu lado mais nefasto e antidemocrático. Títulos? Apenas a polêmica Sul-Americana de 2012, aos trancos e barrancos. Bravatas? Incontáveis. Lutar para não cair se tornou rotina. De exemplo, o São Paulo virou piada. Juvenal ainda elegeu um sucessor, o velho conhecido Aidar, apenas para romper com ele meses depois.
Pouco mais de um ano após sair da diretoria e um ano e meio após deixar a presidência do São Paulo – ainda foi diretor do CFA de Cotia na gestão Aidar –, Juvenal Juvêncio morreu, vítima de câncer de próstata. A última imagem do mandatário certamente não foi agradável, mas também não foi a única. O eterno JJ foi, sim, muito mais do que bravatas, porém, elas fizeram parte inegável da história que ele deixou. E acima de tudo, ficou também a mensagem do quão necessário é um aprendizado difícil para tantos que trabalham no esporte: a hora de parar. Juvenal Juvêncio, certamente, não soube largar o poder. A consequência é uma marca negativa e indelével em seu legado. E ainda assim, JJ sempre será lembrado. Todos os que marcam a história do clube do Morumbi são imediatamente alçados à relevância. Juvenal Juvêncio, querendo ser grande, fez o São Paulo maior. A frustração tricolor é que ambos poderiam ser ainda maiores.