Antes da Copa América acabar, a próxima já começou
Pela segunda vez seguida, ciclo terá dois torneios, o que já se mostrou duro para seleções.

O Brasil está de volta à decisão da Copa América após 12 anos. O Peru, após 44. As duas seleções se enfrentam no Maracanã, no próximo domingo (7), pelo título. Na quinta edição do campeonato realizada em terras tupiniquins, a seleção canarinho chega em sua quinta final – já são quatro taças, um aproveitamento de 100%. Por outro lado, embora com muito menos tradição, a equipe peruana também venceu a única final que disputou (mesmo que em circunstâncias bastante diferentes), além da partida decisiva, contra o vice-campeão Uruguai, do hexagonal que decidiu o título em 1939. Em jogo, uma possível nona conquista para o Brasil e uma terceira para o Peru. Na hora da decisão, é difícil não haver emoções, alegrias e choros, independente de quem vença; é futebol, afinal. Porém, assim que terminar a contagem regressiva para a definição do campeão, terá início nova contagem regressiva: para a próxima Copa América, em menos de um ano.
Realizada na Colômbia e na Argentina, pela primeira vez com dois países-sede fixos, será a quarta edição do torneio em cinco anos. O vencedor de 2019 passará cerca de onze meses campeão, antes de ter que defender o título. Não há dúvidas de que, no calendário atual do futebol internacional, é uma excrescência. Afeta um ciclo inteiro pela segunda vez. Há jogadores que podem chegar à Copa de 2022 com apenas um ou dois períodos de férias em mais de meia década. Pense no exemplo do Brasil: desde a Copa das Confederações de 2013 até o Mundial do Catar, as únicas folgas terão sido em 2017 (apenas porque não conquistou vaga para a própria Copa das Confederações) e em 2021, se algo não for inventado até lá. Desde 2006, o abismo entre europeus e sul-americanos só tem aumentado no futebol de seleções. Quatro equipes europeias conquistaram a Copa seguidamente, com 13 semifinalistas do Velho Mundo e apenas três da América do Sul.

É difícil não relacionar uma coisa com a outra. Se de 2013 para cá o Brasil disputou duas Copas do Mundo com tudo o que tinha e falhou miseravelmente, chega na final da terceira Copa América no período sob pressão desproporcional pelo título. Jogadores como Marquinhos, Casemiro e Alisson, por exemplo, que são passíveis de projeção para o Mundial de 2022, chegarão como até lá se não no limite? Até mesmo o Chile teve calendário sabotador: desde 2014, a única folga foi em 2018, graças à Copa das Confederações de 2017 e ao posterior fracasso nas eliminatórias para a Copa da Rússia. Ou seja, equipes bem-sucedidas já foram ativamente prejudicadas pelo próprio sucesso e o inchaço que ele causou no ciclo. A mais nova muleta, é claro, dá conta de que a Copa América de 2020 tem o intuito de equiparar os calendários de Europa e América do Sul. De imediato, a não-paralisação de torneios nacionais já enfraquece o argumento. Mas não é o principal.
Mesmo pensando apenas no futebol de seleções, a proposta é mera migalha. A Europa está em outro caminho, usando a Liga das Nações para espaçar torneios, incluindo processos eliminatórios, pelas datas FIFA já existentes, mantendo as equipes jogando partidas competitivas e de alto nível por mais tempo durante o ciclo, mas sem afetar o período de férias. Além disso, se a intenção da CONMEBOL fosse meramente a sincronia com a UEFA, as chances estão aí desde a Copa América de 2004, no Peru. A edição do Centenário, em 2016, era pedra cantada – uma questão interessante sobre fazer cem anos é que você sabe exatamente quando vai acontecer, às vezes até com um século de antecedência. Ainda assim, a edição de 2015, no Chile, ocorreu normalmente. O mesmo acontece com a edição de 2019, no Brasil, definida já com o torneio de 2020 planejado. Ao contrário do que se pensa, não há problemas contratuais. Há falta de vontade política.
A desorganização faz parte da história da Copa América, mas nunca foi tão emblemática do declínio do futebol sul-americano quanto agora, em especial na disputa pelo domínio diante da Europa. No Velho Mundo, o equilíbrio entre a competitividade e o limite da demanda física, em um esporte de alto nível, é mais respeitado, infelizmente.
A adequação para o ano par entre Copas, como a EURO, poderia muito bem ser feita com a não-realização da Copa América por cinco anos. Ao invés disso, será com quatro edições nos mesmos cinco anos. Não haveria qualquer impedimento burocrático em adiar os acordos com Chile e Brasil para os anos de 2015 e 2019. Na verdade, sequer era o acordo original: as sedes foram invertidas. Neste ano mesmo, a Confederação Africana de Futebol (CAF) tirou a Copa de Nações do Camarões e a levou para o Egito. A edição de 2024 da Copa América, no Equador, já foi adiada, pois seria em 2023. Nas relações com os países-sede, as federações continentais detêm todo o poder, fazem o que querem; não adianta se escorar na desculpa de que nada podia ser feito. O dinheiro não deixa de entrar e a conta bancária segue cheia, o que não seria problema se fosse em vista do que é melhor para o futebol. Não é. As seleções sul-americanas estão em frangalhos.
O nível técnico sofrível da Copa América de 2019 não é coincidência. Todo este cenário acaba, infelizmente, entrando em campo. Sendo justo, também não é a primeira vez que a competição ocorre tantas vezes em tão pouco tempo. No entanto, é quase desonesto comparar o calendário do futebol até a década de 1950 com o atual. Desde que voltou a ser realizado com frequência, em 1975, o torneio continental nunca tinha sido organizado com menos de dois anos de diferença. Agora, são dois ciclos seguidos com Copas América em anos subsequentes. Para dar um passo para frente, a CONMEBOL dá dois para trás. E na verdade, sequer é certeza de que a partir de 2024 será mesmo dado um passo à frente. A contagem regressiva já foi iniciada, mas é de quanto mais o futebol sul-americano aguenta agonizar. E assim que Brasil e Peru descerem aos vestiários, após a final, a nova Copa América estará para começar. A autossabotagem continua.
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