Após crise, Santos voltou a ganhar tudo em 1968
Até time de Pelé viveu baixa, mas mostrou que era tão resiliente quanto mágico.

O dono dos anos 1960 foi o Santos. Qualquer análise histórica corrobora a afirmação, sem nem precisar entrar na própria sensação de quem viveu o período e acompanhou de perto, a cada jogo, a magia daquele time. Mas falando justamente em sensação, se engana quem pensa que o torcedor santista não sofreu durante aquela década. Depois do enorme sucesso nacional, continental e mundial, o clube "só" conquistou dois títulos em 1966 e 1967 – Rio-São Paulo e Paulista, respectivamente, sendo que o título do torneio regional foi dividido com outros três clubes. Já nos cinco anos anteriores, o alvinegro praiano vinha de quinze conquistas, uma média absurda de três títulos por ano. Dentre eles, duas Libertadores, dois Mundiais e o incrível pentacampeonato seguido da Taça Brasil. Portanto, a queda foi grande quando outro belo time, o Cruzeiro de Dirceu Lopes e Tostão, bateu com autoridade (6 a 2 no Mineirão e 3 a 2 no Pacaembu) o Santos na final da Taça Brasil de 1966.
Como se não bastasse, na semana seguinte, a equipe de Pelé, Pepe, Zito e Toninho Guerreiro precisava vencer a Portuguesa para seguir viva em busca do tricampeonato paulista consecutivo. Perdeu; 1 a 0 para a Lusa, no mesmo Pacaembu da mais recente decepção, e o grande rival Palmeiras conquistava o título estadual. Não fosse pelo Rio-São Paulo compartilhado com Botafogo, Corinthians e Vasco, 1966 seria o único ano da década em que o Peixe não teria levantado nenhum caneco. Além disso, não apenas o Santos perdera dois títulos em uma semana, como sequer jogaria a Taça Brasil em 1967: o Palmeiras seria o representante de São Paulo no torneio. No ano seguinte, portanto, o clube santista teve apenas o Paulista e o repaginado Robertão, agora com caráter nacional, além de suas excursões pelo mundo. E embora tenha voltado a vencer o estadual, batendo o São Paulo na partida decisiva, a campanha no Brasileiro foi ruim – o time sequer se classificou para a fase final, amargando mais um ano sem títulos nacionais.
O time-base do Santos extremamente vencedor de 1968: Cláudio; Carlos Alberto, Ramos Delgado, Joel Camargo (Oberdan), Rildo; Clodoaldo, Lima (Negreiros); Edu, Toninho Guerreiro, Pelé, Douglas (Abel). Téc.: Antoninho Fernandes.
A fila, no entanto, só duraria mesmo três anos. E o caminho para voltar ao topo do país passava pela mesma vítima da última vez. Na final da Taça Brasil de 1965, o Vasco não foi páreo para o Santos, que venceu os dois jogos (5 a 1 no Pacaembu e 1 a 0 no Maracanã). E finalmente, no quadrangular final do Robertão de 1968, a última rodada reservava mais um confronto diante do clube carioca. Há exatos 50 anos, em 10 de dezembro de 1968, 55 mil pessoas no Maracanã testemunharam o fim da curta, mas incômoda fila santista. Vasco 1, Santos 2. O Peixe voltava a ser campeão nacional, com uma campanha irrepreensível, mas foi apenas uma das taças conquistadas naquele ano. Acima de tudo, 1968 marcou a volta da hegemonia santista.
O ano que colocou o Santos de volta ao topo de tudo teve início com uma excursão para o Chile, antes do Campeonato Paulista. Lá, o time ganhou quase todas as partidas, exceto uma, e foi campeão de um octogonal amistoso que teve como integrante, por exemplo, a seleção da Tchecoslováquia, vice-campeã mundial em 1962. Um grande feito, mas o foco do primeiro semestre era a busca pelo bicampeonato estadual seguido. E ele veio com uma campanha surreal, que lembrava justamente o domínio santista do início da década. Se no ano anterior o time foi campeão com muitos empates e precisando de um jogo-desempate contra o São Paulo, em 1968 a taça veio com três rodadas de antecedência – a equipe venceu incríveis 22 das 26 partidas que disputou. Para referência, o vice-campeão Corinthians ganhou 14 jogos. E o título santista foi ainda mais saboroso, pois veio em vitória sobre o Palmeiras em pleno Parque Antártica, afundando o rival na inesperada luta contra o rebaixamento – por um ponto, o Verdão não caiu para a Segundona estadual.

Após o título paulista, muito comemorado, o Santos passou três meses excursionando pelo mundo. Europa, Estados Unidos e três torneios amistosos, na Itália, na Argentina e no Brasil. No total, foram 26 partidas, a mesma quantidade do Paulista; e apenas três derrotas, com direito a vitórias sobre Napoli, Benfica e River Plate. Na bagagem, o Peixe trouxe as três taças: do Torneio de Roma e Florença, do Torneio de Buenos Aires e do Torneio da Amazônia. Durante sua estadia no Norte do país, aliás, o time de Pelé chegou a enfrentar o Paysandu, em amistoso na Curuzu. Terminou 3 a 1 para o alvinegro, com gol do Rei. E foi só depois de angariar muitas histórias e muitas vitórias como essa que o Santos retornou para casa, em busca do título nacional que não vencia desde 1965. E talvez tenha voltado com uma leve ressaca... Estreou no Robertão com derrota por 3 a 2 para o Atlético/PR. Dali em diante, entretanto, no caminho para aquele glorioso 10 de dezembro, a equipe só perderia mais duas partidas. E não faria a menor diferença.
A última derrota, em especial, veio na rodada final da primeira fase, para o Botafogo (3 a 2), quando o alvinegro praiano já estava garantido no quadrangular final. Nele, enfrentou Internacional, Vasco e Palmeiras em turno único, jogando duas partidas fora de casa e um clássico em São Paulo. Problema? Nenhum. Bateu o Inter em Porto Alegre (2 a 1) e o Palmeiras no Morumbi (3 a 0). Chegou ao jogo decisivo contra o Vasco, no Maracanã, precisando apenas do empate para voltar a ser campeão nacional. Os cariocas só levariam a taça se vencessem por diferença de quatro gols. E o Palmeiras, que enfrentava o Inter no Rio Grande do Sul, tinha que vencer e torcer por uma derrota santista. Tarefa complicada, torcer para o Santos perder durante o ano de 1968. Mas nem isso adiantaria, pois o Colorado enfiou 3 a 0 no Verdão. E o Peixe... Ora.
O ano foi tão positivo que, em meio ao Robertão, o Santos também iniciou duas campanhas de título que só se encerrariam em meados de 1969: primeiro foi a Supercopa Sulamericana, torneio disputado entre campeões da Libertadores. O Santos venceu três dos quatro jogos contra Peñarol e Racing e, com isso, se qualificou para enfrentar a Internazionale na Recopa Intercontinental. Já em junho do ano seguinte, venceu por 1 a 0 em Milão e levantou mais uma taça.
Era o último jogo da temporada santista. E também o mais importante. Noventa minutos para ampliar ou estacionar o legado daquele esquadrão. Noventa minutos para encerrar o ano em alta e deixar as contestações e a mini-crise para trás de uma vez por todas. Foi mais do que suficiente. Na verdade, 90 minutos era muito para aquele time. Não precisavam de tudo isso. Só 45 já bastavam. Com um primeiro tempo de gala, o Santos deslumbrou o Maracanã. O artilheiro Toninho Guerreiro e o Rei Pelé fizeram os gols que o time precisava. O Vasco ainda diminuiu na segunda etapa, lutou muito, tentou igualar o jogo, houve expulsões dos dois lados... Nada disso refletiu no inevitável; 2 a 1.
Após uma seca de três anos – uma eternidade para os padrões daquela equipe santista –, o alvinegro praiano voltava a estar no topo do país. O triunfo histórico no Maracanã, há exatos 50 anos, coroou um ano de reafirmação para um dos grandes times da história do futebol. Foi um ano, afinal, em que o Peixe disputou 84 jogos e venceu 61, com 76,9% de aproveitamento. A equipe fez absurdos 228 gols, para uma média de 2,71 por jogo. Papou títulos, dos mais aos menos importantes, ao redor do globo. E ao final de 1968, havia uma certeza no futebol brasileiro: ninguém ousaria dizer que o Santos não era o campeão absoluto daquele ano.