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Calendário do futebol muda sem sair do lugar

Cerca de um quarto da Série A ocorre em meios de semana: como se chegou neste ponto.


Nesta quarta (22) e nesta quinta (23), os clubes da Série A se apresentam em rodada cheia. Mais uma vez. É a 20ª jornada do campeonato, a primeira do returno, e a sexta que ocorrerá no meio de uma semana. Parece muito, e é, mas este número consegue estar abaixo da média recente do Campeonato Brasileiro. Foi a primeira vez nos últimos quatro anos que o primeiro turno da competição teve menos de seis rodadas disputadas em meios de semana. Neste ano, foram cinco; em 2014, quatro. Os anos passam, as circunstâncias mudam, e a realidade segue a mesma. Pode ser ano de Copa, ano de Copa América, ano sem grandes paralisações no calendário, e ainda assim cerca de um quarto do principal campeonato do país é amassado: desde 2009, não se vê uma Série A com menos de dez jornadas de meio de semana. E a situação só tem piorado.


O calendário do futebol brasileiro passou por muitas mudanças nos últimos 15 anos. Em 2003, foi realizada a primeira Série A no formato de pontos corridos. O campeão de 2002, Santos, precisou de 31 jogos para levantar a taça. O Cruzeiro, no ano seguinte, disputou 46 partidas, assim como os outros 23 clubes na competição. O formato atual, com 20 clubes, está em vigência desde 2006. Em 2010, a Copa do Nordeste voltou, após sete anos de ausência, e se tornou um torneio regular no calendário a partir de 2013. Neste mesmo ano, a Copa do Brasil passou a durar o ano inteiro, terminando em novembro. No ano seguinte criou-se a Copa Verde, contestada entre os clubes do Norte, do Centro-Oeste e do Espírito Santo. Em 2016 e 2017, foi disputada também a Primeira Liga. No ano passado, além disso, realizou-se a primeira Libertadores estendida, que durou o ano todo. Ufa. E ainda nem vieram os Estaduais.


Por enquanto, só inchaços. Competições aumentam de tamanho, retornam, são criadas, estendidas, etc. E um ano segue tendo cerca de 52 semanas. Os Estaduais, entretanto, diminuíram recentemente. Entre 2013, 2014 e 2015, foram de 23 datas para 21 e depois para 19. Desde 2017, se estabilizaram em 18 datas. Mudanças vistas, em geral, como positivas – o que por si só é míope, já que para a maioria dos clubes do país isso significa mais tempo ocioso; e para a maioria dos jogadores profissionais, mais tempo desempregados. Entretanto, mesmo do ponto de vista da elite do futebol brasileiro, falta perspectiva. Há 15 anos, os campeonatos estaduais eram realizados de janeiro a março. Duravam apenas dois meses, ao contrário dos quatro atuais. O Vasco campeão carioca de 2003 disputou 15 jogos. O Remo foi campeão paraense após 12 partidas. E o Corinthians venceu o Paulista com apenas 11 pelejas. A memória curta se confunde com a falta de pesquisa e impede que até mesmo o passado razoavelmente recente faça parte do cenário discutido atualmente. A CBF e as federações, para fingir melhorar, primeiro pioram. E pioram muito.


No caso do Brasileiro da Primeira Divisão, ele é apenas (e inevitavelmente, por ser o principal campeonato do país) o exemplo-mor. Se a Confederação não cuida de seu principal "produto", de qual cuida? Se as coisas não estão satisfatórias para o Palmeiras, quão piores certamente estão para o Águia de Marabá? Foi com esta mentalidade que foi criado o Bom Senso FC, em 2013. Um dos estopins foi a divulgação do calendário do futebol nacional para 2014, ano da Copa do Mundo realizada no Brasil. A Série A terminaria em 8 de dezembro de 2013 e os Estaduais começariam em 12 de janeiro de 2014. Era o mês de férias e mais nada. Pré-temporada oficialmente zero. E assim foi, mesmo após protestos, manifestações e ameaças de greve geral, com a CBF prometendo mudanças apenas para 2015.


O Bom Senso foi fundado por cerca de 75 jogadores das Séries A e B do Campeonato Brasileiro, mas chegou a ter o apoio de mais de 800 futebolistas profissionais no país. Dentre os atletas mais proeminentes estavam Fernando Prass, Dida, Rogério Ceni, Paulo André, Cris, Juan, Zé Roberto, Seedorf, Juninho Pernambucano, Alex, D'Alessandro e Barcos.

Durante o ano de 2014, o grupo atuou mais nos bastidores, propondo mudanças e ajudando na criação do Projeto de Lei que, posteriormente, viraria o Profut. Quando a Confederação oficializou o calendário para 2015, atendendo à demanda do período de pré-temporada – e não muito mais do que isso – o movimento voltou a se posicionar, chegando a organizar novos protestos dentro de campo após Marco Polo Del Nero, então presidente da CBF, ser indiciado pelo FBI por corrupção. O Bom Senso passou três anos na pauta do futebol brasileiro, antes de se dissolver em 2016, por diversos motivos. Mas acima de tudo, infelizmente, sem conquistar avanços eloquentes com relação ao calendário, sua principal proposta.


E assim, o futebol brasileiro chegou à situação atual. Em 2016, a CBF ainda chegou a prometer a manutenção da pré-temporada e a diminuição das rodadas em meios de semana – de 12 para nove; mas foram dez na Série A 2017. Rapidamente, com o Bom Senso extinto e a pressão diminuindo, o calendário deste ano voltou a ter apenas duas semanas de pré-temporada. A Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol (Fenapaf) chegou a se manifestar por ofício, mas foi facilmente ignorada pela CBF. E os jogadores tiveram um período de preparação que remete à década passada (ou pior). Juntando isso à quantidade de partidas disputadas sem período de descanso ou treino, além de infelicidades inerentes ao esporte, o alto número de lesões entre os times da Série A se explica – talvez o baixo nível técnico do campeonato também.


Palmeiras vs Flamengo, Série A 2015, rodada 38
Zé Roberto pisa na bola e jogadores cruzam os braços: na última rodada da Série A de 2015, os atletas de Palmeiras e Flamengo protestaram. (Facebook/Bom Senso FC)

E enquanto alguns jogam demais e perdem qualidade, diversos clubes importantes como Portuguesa, América/RJ e Tuna Luso não jogam o suficiente para serem viáveis financeiramente e outros menores também não conseguem crescer. Até certo ponto, é um processo normal, mas não há motivo esportivo para o calendário não atender a todos. Não está bom para ninguém, afinal; todos querem mudanças.


A quantidade de rodadas em meios de semana na Série A é apenas um sintoma de tudo isso – e muito mais. Até 2009, o campeonato da Primeira Divisão parecia engatinhar a caminho do equilíbrio: em 2006, na primeira edição com 20 clubes, foram dez jornadas majoritariamente disputadas em terças, quartas e quintas. Nos dois anos seguintes, o número caiu para nove. E aqui não estão colocadas partidas antecipadas, adiadas, etc. Apenas jornadas em que a maioria (pelo menos seis, portanto) dos jogos foi realizada no meio de uma semana. Boa parte delas, entretanto, sequer precisava estabelecer maioria; eram rodadas completas, como a que começa nesta quarta-feira (22).


Na última temporada europeia, quatro das principais ligas realizaram quatro ou menos rodadas de meio de semana. Na França, foram três. Itália e Espanha tiveram quatro. Já na Alemanha, apenas duas; mas lá, o campeonato é mais curto: por serem 18 times, não 20, como nos outros países, há apenas 34 rodadas.

Nove. Nove rodadas de meio de semana em uma competição que possui 38. Ainda é muito, mas parece o mínimo possível na realidade brasileira. Não é. Em 2009, o campeonato teve apenas sete jornadas assim. Sete. Para oferecer perspectiva, é um número possível na Europa. Não comum, é verdade, mas possível. Na Inglaterra, um dos países de calendário mais inchado do Velho Mundo, o campeonato nacional recentemente teve sete rodadas em meios de semana. Muito recentemente. Foi na temporada europeia passada, 2017/18. O normal por lá, entretanto, são cinco. Foi o caso das épocas 2013/14, 2014/15 e 2015/16. Ou seja, três das cinco temporadas anteriores. E isso, muitas vezes, conta com a jornada tradicional do Boxing Day – a data seguinte ao Natal, em que todo ano há rodada cheia da Premier League, não importa em que dia da semana a comemoração ocorra. Nos últimos cinco anos, o dia 26 de dezembro só caiu em fim de semana uma vez: em 2015. O aumento para seis jornadas de meio de semana em 2016/17 e, posteriormente, para sete em 2017/18, entra neste critério. E ainda assim, são exemplos para o Campeonato Brasileiro.


É claro que isso não se aplica para o calendário como um todo, pois o que funciona na Europa não é parâmetro para a realidade brasileira. Mas a Série A de 2009 mostra que é possível, dentro do contexto nacional, promover a mais importante competição do país sem apertá-la. Entretanto, não foi o que ocorreu de lá para cá. Foram 12 rodadas de meio de semana em 2010, seis em cada turno. Quase um terço do torneio. Era ano de Copa do Mundo, mas o Campeonato Brasileiro nunca mais se recuperou deste pico altíssimo. Pelo contrário. Em 2011 e 2012, obviamente anos sem Copa, a Série A teve dez jornadas em meios de semana. Não só não repetiu as sete de 2009, como sequer conseguiu retomar as nove de 2007 e 2008. Seis anos depois, o calendário da competição havia regredido para 2006. E em 2013, novo pico: como que para combinar com o ano, foram 13. Pela primeira vez, mais de um terço do campeonato (34,2%) era disputado em meio de semana.


Desde então, a situação não mudou. Foram 11 rodadas realizadas em meios de semana nos Brasileiros de 2014 e 2015, enquanto o de 2017, ano passado, teve dez. Em 2016, o número chegou a 12 novamente, como em 2010 – e não só não foi ano de Copa do Mundo, como a competição não foi paralisada para a Copa América Centenário e nem para as Olimpíadas do Rio de Janeiro. A cada ano, a CBF vende a ideia de que melhora seu principal campeonato, mas a realidade só mostra o contrário. Foi no calendário para o ano de 2016 que a Confederação anunciou, com pompa, que a Série A não teria partidas em datas de jogos da seleção brasileira, como já havia sido feito no segundo semestre de 2015. Apenas mais uma de tantas supostas boas mudanças que, na verdade, são apenas cortinas de fumaça. De fato, não foram agendados jogos da Primeira Divisão em dias de partidas do Brasil. Apenas para a véspera e para o dia seguinte. Ou seja, ainda impedindo jogadores de representarem seus clubes.


É o modus operandi da CBF de Ricardo Teixeira, que se manteve com José Maria Marín, Del Nero e se mantém com Coronel Nunes. Chegou a haver um sopro de otimismo quando Del Nero foi suspenso e, posteriormente, banido do futebol, no entanto, ainda há uma estrutura estabelecida muito rígida que "defende" o calendário atual. Tudo indica que pouco mudará sob Rogério Caboclo, futuro presidente da Confederação, a partir de abril de 2019. O futebol brasileiro pode estar completamente fora do lugar, mas as engrenagens para mantê-lo estacionado ali – ou, no máximo, dando um passo à frente e dois atrás – estão muito bem colocadas. A rodada da Série A que começa mais tarde, hoje, está muito longe de ser a exceção que deveria ser. E, à essa altura, todos já se acostumaram com isso.

 

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