Como o Flamengo ganhou três Cariocas em um ano
Fusão de estaduais do Rio e da Guanabara espremeu torneios, mas time de Zico venceu todos.

O antigo Distrito Federal brasileiro, já no final do século XIX, ficava situado no Rio de Janeiro. A Cidade Maravilhosa era a capital desde o período colonial, sucedendo Salvador. Quando, em 1960, o centro administrativo do país foi transferido para Brasília, o Rio perdeu benefícios e verbas federais, mas se manteve como um estado de uma única cidade; a unidade federativa da Guanabara. Assim, continuou concentrando tributos municipais e estaduais em um mesmo território, crescendo e se desenvolvendo ainda mais. Isso tudo, é claro, já se ramificava no futebol desde o início do Campeonato Carioca. Afinal, quando o torneio foi disputado pela primeira vez, em 1906, a cidade já era Distrito Federal. Portanto, durante muitos anos, dentro do que hoje se conhece como o estado do Rio de Janeiro, foram realizados dois certames estaduais: o Campeonato Carioca e o Campeonato Fluminense. E esta realidade se manteve por alguns anos após a fusão entre os estados, em 1975.
Assinada pelo ditador Ernesto Geisel, a Lei Complementar nº 20 de 1974, sancionada em 1º de julho, tratou de reunificar o Rio de Janeiro e a Guanabara, entre outras medidas, efetivas a partir de 15 de março de 1975. E foi assim que, mais de 140 anos depois, a cidade do Rio voltou a ser parte (e capital) do estado do Rio. Como se fazia com o futebol então? O desenvolvimento e o poderio dos times cariocas era incomparável às outras equipes fluminenses. E a princípio a solução foi empurrar com a barriga. Bom, pelo menos em termos de mudanças ao estadual. Até 1978, seguiu tudo igual. Foi realizada apenas uma competição paralela e de pouca relevância, chamada de Torneio Integração, reunindo equipes da capital e do interior. Finalmente, em 1979, as federações concordaram e ocorreu o I Campeonato Estadual do Rio de Janeiro... Duas vezes. E há exatos 40 anos, o campeão de ambos aplicava a primeira de suas muitas goleadas no ano: Flamengo 4, América 0.

A verdade é que não houve nenhuma vontade política, entre a lei sancionada em julho de 1974 e o início do torneio seguinte, para incluir os participantes de fora da Cidade Maravilhosa no Campeonato Carioca. E a competição, nos moldes “normais”, começou no fim de fevereiro de 1975. Naquele ano, a Federação Fluminense sequer realizou seu torneio, dando o título de campeão ao Americano, que venceu o Campeonato Campista (da cidade de Campos dos Goytacazes). E foi na inércia que a situação se arrastou por três anos – alguns times do interior participaram do Carioca, mas apenas como convidados. Finalmente, em 1978, foi definido: no fim do ano, seriam realizadas duas seletivas, a dos cariocas e a dos fluminenses, para definir quem jogaria o estadual do ano seguinte. Originalmente, sequer valia título. Mas o formato era o mesmo, tinha taça... Era o Carioca. E o jogo decisivo, entre Flamengo e Vasco, tinha Maracanã cheio.
Mesmo se alguém quisesse contestar o título de 1978, do gol de Rondinelli, o Flamengo foi lá e venceu também aquela que seria a “fase final” do estadual, mas se tornou um torneio separado. Vindos de seus campeonatos, os seis melhores cariocas e os quatro melhores fluminenses se encontraram para o que, no fim das contas, ficou conhecido como o Campeonato Especial de 1979. Isso porque, para a Confederação Brasileira de Desportos (CBD), era irregular o critério utilizado para ter mais times da capital que do interior. Por isso, foi realizada mais uma competição, com todos os 18 participantes dos dois estaduais do ano anterior. Esse sim, sem o “especial”, era o Campeonato Carioca de 1979. E a maratona estava montada. Afinal, como o torneio de 1978 teve início em setembro e o segundo de 1979 terminou em novembro, o Flamengo precisou apenas de pouco mais de um ano para ser tri – pela terceira vez em sua história.
O time-base do Flamengo em 1979 era: Cantarelli; Toninho, Manguito, Rondinelli, Júnior; Carpegiani, Adílio, Zico; Tita, Cláudio Adão, Reinaldo. Téc.: Cláudio Coutinho.
E era mesmo um timaço. Após perder a final de 1977 para o Vasco, o Mengão do ano seguinte, na verdade, sequer precisou da finalíssima. Venceu o rival no jogo decisivo para levar o segundo turno, como já tinha levado o primeiro, e ser campeão por antecipação. Naquele torneio, sofreu apenas uma derrota. Zico e Cláudio Adão fizeram 38 dos 60 gols da equipe. Já o Campeonato Especial de 1979 seria ainda melhor. A goleada que o Mengão aplicou no América em 11 de fevereiro de 1979 foi só o início. A equipe terminou o primeiro turno como terminaria o campeonato: invicta. De novo, ganhou os dois turnos, com direito a um Zico absurdo, que marcou 26 gols em 18 jogos. Na verdade, o rubro-negro venceu incríveis sete turnos consecutivos de estadual, já que o segundo torneio de 1979 teve três. E o Galinho seguiu sendo extraordinário. Foram 34 tentos em 33 partidas. Com o Brasileiro, Zico fez 72 gols em 1979 e, contando jogos amistosos, foram 89. Gigante.
Era o sexto ano seguido em que Arthur Antunes Coimbra liderava a artilharia do Flamengo. Ele também superou Dida como o maior goleador da história do clube, com mais de 300 gols; e apenas 26 anos. Nas partidas disputadas em 1979, a vitória rubro-negra foi praxe: ocorreu em 76% delas. Isso, é claro, fora os títulos e a história deixada por um dos grandes times flamenguistas – que ainda viveria inúmeras glórias nos anos 1980. Acima dos recordes individuais, Zico ajudou o Mengo a estabelecer recordes coletivos e alcançar conquistas importantes. É difícil olhar para as honras do passado do rubro-negro carioca neste momento em que o futuro do clube sofreu um baque tão triste e desastroso. Muitos dos meninos que sonham com uma carreira no futebol, sonham em ser Zico. Sonham em ser tricampeões estaduais em pouco mais de um ano. E talvez este último seja um sonho impossível hoje em dia, mas não devia ter sido arrancado deles tão cruelmente. Como foi.
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