Concussão já é ocorrência cotidiana no futebol
Lesão afetou finais de Copa e Champions, mas protocolo de tratamento segue inadequado.

Pela mais recente rodada do Campeonato Italiano, antes da parada das ligas europeias para a data FIFA, o Napoli recebeu a Udinese no domingo (17), em Nápoles, no estádio San Paolo. A partida terminou 4 a 2 para os vice-líderes da Serie A, em vitória sofrida conquistada no segundo tempo. O jogo chegou a estar 2 a 0 para o Napoli, mas a Udinese empatou ainda no primeiro tempo, com dois gols em apenas seis minutos. Nas duas jogadas, houve falha do goleiro colombiano Ospina. Antes, no início do jogo, ele levou uma joelhada acidental na cabeça. Ficou visivelmente atordoado. Mais tarde, 40 minutos após o impacto e já tendo sofrido dois gols, Ospina caiu desacordado. Desmaiou no gramado. Só então foi substituído, pouco antes do intervalo, e levado direto para o hospital. O diagnóstico, infelizmente, é mais que conhecido para quem está prestando atenção em um problema crescente no futebol e no esporte mundial: concussão cerebral.
Os danos da concussão muitas vezes não são visíveis, o que os torna mais perigosos ainda. Além disso, existe a possibilidade (embora pequena) de também serem irreversíveis. E independente da gravidade, a lesão cerebral certamente incapacita um atleta de jogar futebol e requer tratamento imediato. Menos de uma semana depois do caso de Ospina, no último sábado (23), o zagueiro Fabian Schär, da Suíça, também sofreu uma concussão na partida contra a Geórgia, pelas eliminatórias da Eurocopa. No entanto, o defensor não foi substituído, disputando o jogo inteiro mesmo após ser atendido por vários minutos e alegar que não se lembrava de nada – o lance, um choque de cabeças, ocorreu aos 24 minutos do primeiro tempo. Anthony Lopes, do Lyon, também sofreu a lesão há duas semanas, contra o Barcelona. Famosamente, o mesmo ocorreu com Karius, do Liverpool, na última final da Liga dos Campeões.

O problema é grave e exemplos não faltam. Na final da Copa de 2014, o alemão Kramer saiu ainda na primeira etapa com a lesão. Álvaro Pereira, do Uruguai, passou pelo mesmo contra a Inglaterra, mas jogou a partida toda; apenas para pouco depois, pelo São Paulo, acontecer de novo. O próprio Ospina, vítima recente, já esteve envolvido em dois lances que causaram concussões, quando esteve no Arsenal: com Oscar, em 2015, e com Pedro, em 2017, ambos do Chelsea. O ex-flamenguista Mancuello já passou pelo problema, assim como Amrabat, do Marrocos, e Tapia, do Peru, na Copa da Rússia, ano passado. Aqui no Brasil, só em 2019 e entre times ditos "grandes", Yago Pikachu, do Vasco, e Hudson, do São Paulo, sofreram a lesão durante treinos – e o vascaíno, em 2018, saiu logo no início de jogo contra o Sport devido à concussão, tal qual o colega de clube Marrony, neste ano, em partida da Copa do Brasil. Suficiente...?
Os casos ainda são, provavelmente, subnotificados, como foi apontado após duas ocorrências na mesma partida, em 2018, com jogadores do Botafogo. Isso porque estamos apenas na superfície; mergulhe um pouco mais em cada uma das competições mencionadas, como as últimas Copas do Mundo e Campeonatos Brasileiros, e verá os casos se multiplicarem. Entre as mulheres, um exemplo gravíssimo aconteceu na última Copa, em 2015, após colisão de cabeças entre a americana Morgan Brian e a alemã Alexandra Popp. Com o problema mais do que estabelecido, a FIFA foi obrigada a agir: criou, ainda em 2014, um protocolo de atendimento imediato, em campo. Jogos podem ficar parados até três minutos, a decisão final compete apenas ao médico e, mais recentemente, análise de lances em vídeo pode ser requisitada. Ainda assim, o problema continua se agravando, do diagnóstico à recuperação posterior, passando por outro protocolo, o de tratamento.
Alguns especialistas afirmam que um teste de concussão minimamente conclusivo demora pelo menos dez minutos, reforçando o caráter insuficiente das medidas da FIFA. Para tratar a questão com a seriedade adequada, será necessário ir além de recomendações, talvez instaurando regras específicas para a saúde dos atletas.
Em tese, quando um jogador apresenta sintomas de concussão visualizados pelo médico, não pode retornar ao jogo e precisa ser substituído. Mas e quando a equipe já efetuou as três mudanças? O protocolo será sempre respeitado? Há demanda forte da FIFPro, o sindicato mundial dos jogadores, por uma substituição extra em casos de concussão, ou pelo menos a possibilidade de um reserva temporário entrar. E também não há acompanhamento e cobrança na etapa de tratamento. Para o departamento médico da FIFA, as etapas de retorno são graduais, divididas em seis níveis que, por recomendação, devem durar 24 horas cada. Isso porque, após uma concussão, a chance de ter outras aumenta substancialmente. Ou seja, o protocolo atual recomenda processo de quase uma semana, da aeróbica leve ao treino sem contato, até o retorno da prática esportiva. Não é feita, no entanto, uma análise independente antes do jogador ser liberado, como em outros esportes.
No futebol americano da NFL, esporte de ainda mais contato – e no qual os jogadores usam até mesmo capacetes de proteção – o protocolo é mais rígido e o controle apertado, com aplicação de multas para os clubes infratores. Mesmo assim, há problemas. Mas o futebol parece sequer ter acordado propriamente para a gravidade das concussões. Lesões físicas na cabeça estão no radar há muitos anos, com o principal exemplo em Petr Čech, goleiro do Arsenal que se aposentará em maio. Quando defendia o Chelsea, em 2006, ele tomou uma joelhada que causou traumatismo craniano e poderia tê-lo matado dentro de campo. Até hoje, Čech usa um capacete feito sob medida por conta do problema. Danos neurológicos, no entanto, podem ser tão ou mais sérios que danos físicos. A alta incidência recente de concussões mostra que a gravidade da situação não pode ser ignorada. E mais do que isso: precisa ser tratada com a devida seriedade. Para ontem.
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