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Cristiano Ronaldo, os impostos e o futebol

Caso do português ilustra bem como as estrelas do esporte lidam com as finanças e o fisco.


Na última semana, o craque Cristiano Ronaldo, da Juventus, esteve em Madri. Mas não para uma partida da Liga dos Campeões, premiação individual ou evento beneficente. Foi para comparecer a Tribunal de Justiça espanhol, por conta de acusação de sonegação de impostos entre 2011 e 2014. Acusação que, na verdade, já não é mais acusação. Ronaldo é, oficialmente, um sonegador. Em acordo com a Justiça espanhola, o próprio atleta se declarou culpado e foi condenado a pagar 18,8 milhões de euros; em troca de uma pena de prisão de apenas 23 meses. Isso porque, na Espanha, reclusões menores que 24 meses não costumam ser aplicadas quando o réu não possui antecedentes criminais. Assim, com mais uma multa de 365 mil euros pela conversão da pena, o atacante da Juventus deixou Madri, a princípio, 100% livre dos problemas com o fisco. Porém, na verdade, ele já tinha ido para a Itália também por conta deles.


Há um problema sério na Espanha com o burocrático e confuso sistema fiscal, mas, do ponto de vista dos jogadores estrangeiros, acima de tudo, há uma sensação de que os "bons tempos" acabaram. Cristiano Ronaldo chegou ao país na metade de 2009, quando ainda estava em total vigor o decreto real conhecido como "Lei Beckham", de 2005. Segundo ele, trabalhadores estrangeiros que fossem contratados para um emprego na Espanha poderiam declarar apenas a renda e as propriedades diretamente espanholas – na prática, sendo taxados como não-residentes por até seis anos. Além disso, mesmo o pedaço de fato abocanhado pelo Leão era bem menor: menos de 25% para boa parte dos rendimentos, efetivamente escapando de impostos progressivos que chegam a cerca de 50% (na Catalunha, quase 60%). A terra do Rei era um ótimo destino para os atletas até 2009, quando a regra começou a ser contestada; sendo modificada em 2010.


Cristiano Ronaldo em 2015, quando ainda jogava pelo Real Madrid: o craque não deixou a Espanha apenas em busca de "novos ares" na Itália. (Oleg Dubyna/Creative Commons)

Não é coincidência os crimes de Cristiano Ronaldo terem ocorrido a partir de 2011, pois as mudanças tributárias na Espanha não pararam aí. Na verdade, como inúmeros Códigos Tributários, o espanhol muda constantemente e é bastante complexo. A "Lei Beckham" passou a ter um teto, excluindo jogadores que ganham rios de dinheiro, e o sistema como um todo se tornou mais rígido – isso para não falar da crise econômica do Governo local, um incentivo para levar casos como o de Ronaldo até as últimas consequências, sob o risco de perder uma injeção financeira importante nos cofres públicos. O fisco espanhol já havia retido cautelarmente 16,7 milhões de euros do jogador em 2017, uma vez que a dívida (originalmente de 5,5 milhões) angariava juros. Ronaldo também fez um pagamento voluntário de 6,6 milhões em 2018. Entre condenações, multas e supostos atos de boa vontade, o processo todo custou ao jogador quase 40 milhões de euros.


A história é muito parecida com a de Messi, que também terminou em condenação, em 2016. E novamente, não é coincidência o quanto o problema ocorre na Espanha. Mascherano, Xabi Alonso e Neymar são apenas algumas das outras estrelas que já estiveram envolvidas no mesmo imbróglio que Messi e Ronaldo. Tornou-se parte da rotina de quem vive, sempre, na linha entre a elisão e a sonegação. Ou seja, entre a engenharia e o crime fiscal.


Neste nível de estrelato e riqueza, o que menos importa é o salário. A Espanha, inclusive, ainda é um dos países europeus em que o investimento de um clube em um jogador extremamente bem remunerado não é tão absurdo. Segundo relatório de 2017 da KPMG, multinacional de auditoria e consultoria tributária, um atleta com salário líquido de 5 milhões de euros custa, na verdade, para um clube espanhol, 9,6 milhões. Na França, por exemplo, o mesmo jogador custaria 14,22 milhões. Enquanto na Turquia, que hoje se tornou um destino atraente, são apenas 5,9 milhões. De imediato, fica clara a diferença de abordagem que os times de futebol, em cada país, precisam aplicar para tentar convencer os atletas a assinar. Na Turquia, com encargos menores, os salários podem ser mais altos. Na França, basicamente, os argumentos passam por tudo, menos pelo contracheque. Mas e daí? Para explicar, voltemos mais uma vez ao caso de Cristiano Ronaldo.


Na Itália, quem arrecada renda fora do país pode pagar apenas uma taxa tributária anual de 100 mil euros. Assim, embora receba na Juventus um salário menor do que recebia no Real Madrid, Ronaldo na prática aproveitou a transferência para "blindar" boa parte de seu capital.

O português, segundo a revista Forbes, ganhou 108 milhões de euros em 2018, dos quais 47 milhões via patrocínios e direitos de imagem. Uma parte substancial da renda do jogador, portanto, não está necessariamente vinculada ao solo espanhol – e, agora, italiano. E esta fonte de rendimento, dentro do planejamento fiscal de um jogador de futebol deste calibre, é taxada o mínimo possível. No caso específico dos delitos pelos quais foi condenado, Ronaldo e seus emissários abriram empresas nas Ilhas Virgens (um paraíso fiscal) e na Irlanda (que tem impostos baixos) para gerenciar e vender os direitos de imagem do atleta. No entendimento da Justiça espanhola, isso foi feito com propósito único e claro de fraudar o regime tributário; portanto, sonegação. Caso conseguisse provar que o fez dentro de seus direitos e sem o objetivo de atingir diretamente o fisco, Ronaldo não teria cometido crime algum. É uma linha tênue e, aliás, extremamente ideológica.


O tema precisa, no entanto, ser discutido à exaustão dentro do contexto do futebol, sem medo. É, afinal, uma realidade mundial. Até o Brasil é afetado. Se desde os tempos de Maradona os impostos eram um problema, quase 40 anos e uma globalização financeira depois, a situação se exacerbou. Jogadores requisitados no mercado, muitas vezes, escolhem seus destinos com base na engenharia fiscal que será possível (ou necessário) fazer. É o caso da China, por exemplo, que assim como a Turquia, tem condição de oferecer salários exorbitantes também pelo baixo custo trabalhista. Ajustes recentes no Campeonato Chinês mudaram o regime de contratação de estrangeiros, mas as regras salariais podem tornar o futebol brasileiro um alvo ainda maior. Em 2016, o Brasil já viu uma debandada em massa de jogadores para a China. Cada vez mais, não é só futebol que atrai jogadores. E nem uma montanha de dinheiro apenas. Mas sim as garantias que vêm com ela.


 

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