Finanças, competitividade e o salto do Flamengo
Rubro-negro deve grandes taças, mas balanço mostra que a prioridade é conquistá-las.

Abril, normalmente, é mês de balanços no futebol brasileiro. Não apenas no campo, mas também fora dele. Com os estaduais acabando e perdendo cada vez mais importância, as equipes calculam seus saldos, de resultado e desempenho, no primeiro trimestre do ano, para aparar as arestas antes do Campeonato Brasileiro. Contratar, dispensar, trocar de treinador... E enquanto tudo isso ocorre, é praxe que os clubes divulguem, após processo de aprovação interno, um relatório financeiro, um balanço propriamente dito, do ano anterior. Nas últimas semanas, da Ponte Preta ao Guarani e do Cruzeiro ao Atlético/MG, passando por Corinthians e Flamengo, muitos times no Brasil mostraram suas situações financeiras às torcidas e ao mercado. No geral, não há nada de muito diferente do esperado. Entre os gigantes, por exemplo, Timão e Raposa aumentaram a arrecadação, mas também os gastos. E o destaque, claro, é um Mengão poderosíssimo.
Após mais de meia década de reestruturação financeira pesada, o rubro-negro carioca esteve, nos últimos anos, em posição para fazer investimentos agressivos. De tal forma que, por exemplo, se deu ao luxo de aumentar em quase 10 milhões de reais sua folha de pagamento entre 2017 e 2018 – e provavelmente fez o mesmo neste ano, o que só aparecerá no balanço em 2020 –, enquanto os lucros diminuíram. É bom lembrar que, no Brasil, os clubes, em sua maioria, não são empresas, mas associações civis sem fins lucrativos. Portanto, fechar "no azul" serve para pagar dívidas, que foi o que o Flamengo fez. O endividamento do clube ainda é alto, mas quase 70% é fiscal, escalonado por 20 anos com a Receita Federal, via Profut. Com tudo equacionado e as receitas só aumentando, a instituição pode gastar. E a virada fica clara nos balanços. Até 2013, só déficit. De 2014 em diante, superávit constante e crescente. Agora, porém, as fichas estão na mesa.

Se em 2017 o Fla registrou superávit recorde de quase 160 milhões de reais, em 2018 caiu bastante: menos de 46 milhões. Há duas principais razões. De fato, 2017 foi um pico de arrecadação fora do comum, com a venda extremamente lucrativa de Vinícius Júnior para o Real Madrid. O principal, no entanto, foi a ampliação dos investimentos. O último ano de Eduardo Bandeira de Mello como presidente do rubro-negro já foi de altas apostas, o que se mantém na gestão Rodolfo Landim. Em 2013, quando Bandeira de Mello assumiu, as dívidas do Flamengo chegavam a quase 800 milhões de reais e a arrecadação anual mal passava de 200 milhões. Agora, as receitas quase triplicaram e as dívidas caíram quase pela metade. É um novo clube. Por exemplo, 2019 começou com mais de 100 milhões de reais disponíveis apenas para contratações. O contraste mais forte é no próprio Rio de Janeiro, em que os três rivais mal dão conta da parte operacional.
Mesmo com a maior torcida do país, o Flamengo chegou a ser o sexto clube em faturamento, no início da década. Ficou atrás de Internacional, Grêmio, Cruzeiro e até do Santos. Porém, a partir de 2014, não saiu mais do top 2 no Brasil – e chegou a estar no top 20 do planeta. O "colega" mais assíduo do rubro-negro no topo é o Palmeiras, especialmente a partir de 2016. Também cada vez menos endividado, o time paulista tem um perfil diferente: depende menos da receita de televisão, pois tem seu estádio – inclusive não fechou com a Globo para transmissões de seus jogos na Série A deste ano por não aceitar receber menos que o próprio Flamengo e o Corinthians. Por outro lado, os patrocínios significam uma parcela muito maior no orçamento alviverde do que no rubro-negro. E o Flamengo também vende mais jogadores: a ida de Lucas Paquetá ao Milan, por exemplo, só entrará no balanço divulgado em 2020. Dois ricos muito diferentes entre si.
Em 2016 e 2017, o Flamengo arrecadou mais que o Palmeiras, mas também investiu menos. As dívidas diminuíram ainda mais. Em 2018, foi a vez do Verdão ter um faturamento recorde de quase 700 milhões de reais. Ambos gastaram bastante. No plano original do Mengão, os anos do salto de qualidade seriam justamente 2018, 2019 e 2020.
Em termos gerais de arrecadação, no entanto, independente das especificidades de cada um, tanto Flamengo quanto Palmeiras estão em posição equivalente até mesmo a grandes equipes europeias. O Verdão supera, por exemplo, o Benfica, entrando no top 30 do mundo. Enquanto o Mengão, se concretizar o orçamento previsto para 2019, chega muito perto do Napoli, o 21º do planeta. E esta capacidade financeira, nos dois casos, já se traduz em investimentos que chegam ao campo. De acordo com números do Transfermarkt, o Palmeiras tem o 80º elenco mais valioso do futebol, já ultrapassando a estimativa dos 100 milhões de euros – cifras muito próximas a equipes importantes do Campeonato Alemão, acima do maior campeão francês (Saint-Étienne) e de time do Campeonato mais rico do mundo, o Inglês (Cardiff). O Flamengo, por sua vez, está logo atrás do Cardiff, na 94ª posição, com elenco estimado em 87 milhões de euros. Só faltam títulos.
Essa, na verdade, ainda é a grande diferença entre rubro-negro e alviverde. Nos últimos quatro anos, o Palmeiras venceu uma Copa do Brasil e dois Campeonatos Brasileiros, enquanto o Flamengo não levanta taças além de estaduais desde a Copa do Brasil de 2013. Talvez o potencial do Fla seja ainda maior que o do Verdão, a longo prazo, mas o torcedor parece estar cansado de esperar. No entanto, é possível que a espera não seja mais tão longa. A compra de Arrascaeta, por exemplo, foi um argumento do Mengão – e serviu até para aliviar a barra no balanço do Cruzeiro, que aproveitou brecha criativa para incluir a venda do meia na contabilidade de 2018, diminuindo o déficit. Mais que predadores do mercado interno, Palmeiras e Flamengo são times financeiramente equilibrados e de bom futuro. De forma polêmica, mas sem gastar um tostão, o rubro-negro ainda ganhou um estádio, seu grande sonho. Vai administrar o Maracanã. Assunto para outra oportunidade...
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