O momento do VAR: incompreendido e mal aplicado
Regra foi vista como solução que nunca seria, mas também não segue próprio protocolo.

No início do mês de março, fez um ano que o árbitro de vídeo entrou oficialmente e definitivamente nas regras do futebol. O VAR (sigla para o termo Video Assistant Referee, em inglês) passou, muito rápido, a ser comum – o que é ótimo. Isso não significa, no entanto, que a ferramenta é realmente compreendida. Originalmente uma ideia holandesa, que teve seus primeiros testes na Eredivisie em 2012/13, o auxílio para a arbitragem tem uma história confusa, especialmente devido à contradições entre regras e recomendações. Tanto a FIFA quanto a IFAB (International Board, órgão que rege as diretrizes do esporte) estabeleceram protocolos, princípios e determinações práticas para o VAR – que se mostraram imediatamente insuficientes. Ou são simplesmente impossíveis de cumprir, como um todo, ou são incompreendidas e, portanto, mal aplicadas. A nova regra, como qualquer outra, também está passível de má execução. E como...
Pelo Campeonato Carioca, na última quarta-feira (27), o jogo entre Flamengo e Fluminense deu muito o que falar. Não só por eventuais discordâncias quanto às decisões em si, mas pela forma como o VAR foi usado. Enquanto o lema da regra é "interferência mínima, benefício máximo", o sistema vai se destacando, muitas vezes, pelo contrário: por sua morosidade e ineficiência. Munição para quem não quer que o futebol se desenvolva, enquanto do outro lado, amantes do VAR evitam apontar suas óbvias mazelas, fingindo que não existem. As duas coisas, no entanto, andam juntas. Os problemas existem e são graves, mas o VAR não vai a lugar nenhum – e nem deveria. Um passo inicial nas melhorias, por incrível que pareça, é simples: o cumprimento da regra. Não só a do VAR. Se o entendimento das regras do esporte é parco, um lance pode ser analisado inúmeras vezes, por todos os ângulos; será apenas mais um canal para o erro.

Ainda mais recentemente, neste sábado (30), pelo Campeonato Paulista, um pênalti do Palmeiras foi corretamente anulado pelo VAR, contra o São Paulo. Foco no "corretamente". Não era lance objetivo, de impedimento, por exemplo, mas interpretativo. Ou seja, você, leitor, pode discordar à vontade do "corretamente". É a natureza da interpretação. No entanto, há um detalhe pouco discutido do protocolo do VAR que, consequentemente, é pouco cobrado; e ainda menos aplicado: a limitação da câmera lenta. Segundo o IFAB, as imagens em câmera lenta só devem ser utilizadas para definições objetivas. Ou seja, questões como o local onde uma falta ocorreu, o ponto de contato entre dois jogadores, posições de impedimento e se a bola bateu ou não no braço de um atleta. E aí se encontra uma complexidade incompreendida da ferramenta. A câmera lenta pode ser usada para definir se algo ocorreu, mas não a intenção – detalhe importante na interpretação.
Intensidade de falta, como a dúvida se um toque foi suficiente para derrubar um adversário ou um movimento deliberado com o braço para interferir no lance, estes só podem ser analisados no VAR em tempo real, sem câmera lenta. Isso sem falar que, nas últimas semanas, foi levantada a ideia de que na dúvida, a decisão de campo deve ser mantida. Ora, isso já está na regra. Para o protocolo, o VAR responde a uma única pergunta, quando acionado: a decisão tomada foi claramente errada? Agora se pergunte se estes paradigmas vêm sendo, no Brasil, aplicados e respeitados. A utilização do árbitro de vídeo como ferramenta de correção está sendo confundida com uma busca incessante por erros. O que não seria problema exceto pelo fato de que, em lance interpretativo, procurar erro significa encontrá-lo. Sempre. Mesmo onde não existe. E assim um inegável avanço rapidamente se popularizou e foi levado ao mundo inteiro; mas sem ter amadurecido.
Oficialmente, segundo a regra, o árbitro de campo deve tomar atitudes como se o VAR não existisse. Ele é ferramenta de correção, não de decisão. Em ligas como a Espanhola e a Italiana, a nova regra passa pelo mesmo momento: evita alguns erros, comete outros, e é vista como um avanço que ainda não mostrou critérios confiáveis.
O contraste de abordagem fica ainda mais óbvio quando se olha para o exemplo da tecnologia na linha do gol (GLT). A ferramenta, que oferece definição objetiva sobre lances decisivos, começou a ser testada no mesmo período que o VAR, em 2012, no Campeonato Dinamarquês. No mesmo ano, foi aprovada pelo IFAB e passou a integrar oficialmente as regras do jogo. Ou seja, em julho o GLT chegará ao aniversário de 7 anos como uma parte regulamentada do esporte, enquanto o VAR acaba de completar um ano. Um destes é mais maduro, mais estabelecido e dá mais resultado. Mas foi o outro que se popularizou. E se a implantação do GLT não é barata, a do VAR também não. No Brasil, por exemplo, a arbitragem de vídeo chega a custar mais do que em ligas europeias. Fez-se um esforço para colocá-la em prática, o que é ótimo. Porém, mais pela ilusão de que o VAR resolveria problemas profundos da arbitragem brasileira do que pela eficiência de fato demonstrada.
"Um protocolo – utilizado por todos". Este é um dos mandamentos do VAR, de acordo com o IFAB. Certamente há confusões entre normas e orientações, regulamentos e recomendações, mas o maior problema atual da arbitragem de vídeo não é falta de regra. É o mesmo problema da arbitragem em geral: a aplicação errada, ou mesmo a falta de aplicação, das regras já existentes. A "educação" sobre o VAR, termo muito utilizado atualmente, não é só para torcedores e jogadores. É importante, claro, que os atletas permitam que o juiz tome sua decisão sem interferência, e que o público não ache que o VAR vai resolver tudo e ser infalível – seria impossível. No entanto, essa educação precisa vir, primeiro, de dentro do campo. Enquanto os árbitros se apoiarem no VAR como uma muleta para todas as decisões difíceis, como se fosse certeza de acerto, não podem reclamar que outros também vejam dessa forma. E que a cobrança não seja proporcional...
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