O que o Homem-Aranha ensina sobre amar o esporte
Quadrinho retrata relação entre Peter Parker, seu tio Ben e New York Mets, o time de beisebol.

O futebol está na minha vida há muito tempo. Desde a primeira vez em que pisei em um estádio, graças ao meu pai e ao fardo que ele me passou de ser um torcedor do Clube do Remo. Deste dia até aqui já são mais de 20 anos entendendo que o esporte é muito mais do que acontece dentro de campo, de uma quadra ou um autódromo. A paixão por acompanhar um clube ou seleção transcende as regras da lógica e da razão e nós aqui do blog já deixamos exposto em nosso próprio nome: Não é só Futebol. Assim como o esporte, a leitura de quadrinhos me ajudou a encontrar um mundo mágico e apaixonante que se tornava muito maior do que a própria realidade. Mal sabia eu que no final de 2002 essas duas fugas do cotidiano se encontrariam nas páginas de uma revista do Homem-Aranha.
Uma breve contextualização para a possibilidade de você, caro leitor, morar em uma caverna e não saber quem é o Homem-Aranha: Peter Parker era um adolescente nerd normal, até o dia em que foi picado por uma aranha radioativa e ganhou superpoderes. Infelizmente, o garoto deixou os poderes subirem a cabeça e somente após perder seu tio Ben, depois de não impedir um assalto, Peter entendeu que grandes poderes trazem grandes responsabilidades. Aí então ele se tornou o amigão da vizinhança. O herói que sempre põe a segurança das pessoas em primeiro lugar.
Não foi precisamente em 2002 que eu percebi a importância da história que relato aqui. Na época, os quadrinhos eram o simples escape de um garoto. Eu queria ver meus heróis descendo a marreta nos vilões e fazendo poses legais. Quem queria ler uma história parada sobre beisebol? Um esporte que na época eu não conhecia, mas que viria a acompanhar – embora não tão de perto e, sendo bem sincero, ficando confuso com as regras até hoje.

Foi somente algumas semanas atrás, quando os Estados Unidos celebraram seu dia dos pais, que a história ressurgiu para mim, publicada em mídias sociais por perfis especializados em quadrinhos . E talvez apenas hoje, 17 anos depois de ter lido o quadrinho pela primeira vez, eu entenda a magnitude e impacto dele.
Originalmente publicada em Peter Parker: Homem-Aranha #33, de 2001 (no Brasil a defasagem era grande até meados dos anos 2000), "Quem sabe no ano que vem?", em tradução livre, é uma história que se passa exatamente no aniversário de falecimento de Ben Parker. Lidando à sua própria maneira com o luto, Peter repete uma tradição iniciada pelo próprio tio: ir ao estádio ver o jogo de estreia do New York Mets em casa na temporada.

Peter lembra da primeira vez que foi com o tio ao estádio. Não demorou muito para que o garoto se apaixonasse pelo esporte e, consequentemente, também se decepcionasse com ele. A piada óbvia é que os Mets são o time ruim de Nova Iorque, os primos feios dos Yankees, por assim dizer. Porém, como qualquer torcedor de time perdedor, tio Ben já tinha o discurso pronto: "A vida é como uma grande temporada. Às vezes você ganha e às vezes você perde... E é bom perder de vez em quando, pois dá um gostinho a mais para a vitória. Quem sabe no ano que vem?"

Como leitores, acompanhamos todos os momentos marcantes das idas aos jogos, cada uma com uma narrativa diferente, mas sempre com o mesmo desfecho: a derrota dos Mets. Claro que houve um momento em que a sequência de fracassos do time, aliada à puberdade de Peter, fez com que ele se irritasse com aquela tradição. Justamente no ano em que foi de má vontade e não quis conversar com o tio durante todo o jogo, os Mets vencem. A curva dramática se acentua por ter sido o último jogo que o Homem-Aranha pôde ver com seu tio antes do falecimento. Ele morreu três dias após a partida.

Mas talvez a maior beleza da história esteja além da despedida com vitória. Ao ir ver o jogo no dia do falecimento do tio, Peter mostra o verdadeiro motivo pelo qual quem gosta de esportes realmente se apaixona. A analogia da vida como uma temporada é algo que faz todo sentido e cada vez que sentamos em uma arquibancada para ver nosso time, vivemos uma história singular, um microcosmo de 90 minutos ou até mesmo de uma tarde inteira, no caso do beisebol.
Claro que certos jogos sempre estarão na memória pelo peso da conquista, do resultado, como aquele Remo 4, Tocantinópolis 1, em 2005. Ou talvez eu sempre irei lembrar onde estava quando assisti a semifinal entre França e Croácia na Copa de 1998. Mas quando analisamos nossas próprias memórias, a maioria das lembranças relacionadas ao esporte provavelmente não estará dentro das quatro linhas, mas totalmente fora delas.

Eu realmente não lembro o placar do jogo, ou até mesmo contra quem era, mas lembro quando levei minha irmã pela primeira vez ao estádio. Lembro da última vez que vi um jogo com meu irmão antes dele se mudar. Lembro de quando fui cobrir um jogo da Segunda Divisão estadual, sentado na tribuna escutando diretores de um dos clubes tirando sarro um do outro, sem ligar para a partida.
E talvez seja isso que nos faça amar tanto o esporte. Tudo aquilo que é proporcionado por ele, mesmo que indiretamente. Como aquela vez em que você comemorou um acesso ao lado de quem você ama. Quando o ônibus deu prego a caminho do clássico regional ou até quando você adiou aquele encontro porque tinha jogo de Copa do Mundo no mesmo horário.
Entre se balançar pelos prédios pendurado em uma teia e gritar gol, talvez tenha sido o Homem-Aranha, distraidamente, quem me mostrou a beleza de se apaixonar pelo esporte.
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