O racismo e a volta do futebol após a pandemia
Mandatários querem o esporte como símbolo de esperança; é hora de apoiarem os atletas.

Ligas, federações e organizações do mundo inteiro passaram os últimos meses trabalhando na volta do futebol e do esporte em geral. De certa maneira, é inevitável. Todos os que não fazem parte dos serviços essenciais estão (ou deveriam estar) em casa, mas ainda realizando as atividades de forma remota. Ou seja, quem trabalha com esporte, segue trabalhando com esporte; é normal que se estude alternativas para a retomada. O caminho seguido em boa parte da Europa, por exemplo, ainda que sujeito a erros, parece coerente: a curva de contágio do novo coronavírus em países como Alemanha – cujo campeonato já voltou –, Itália e Espanha – cujos campeonatos têm data para voltar – está em queda contínua há muito tempo. A crise ainda não acabou, até por receios de uma segunda onda de infecções, mas no último dia de maio, por exemplo, foram registrados 178 novos casos de Covid-19 na Itália, país que já teve mais de 6 mil registros diários e chegou a ser o epicentro da pandemia.
E por que isso importa? Talvez o futebol não precisasse voltar enquanto a situação não fosse ainda melhor, talvez até mesmo só com o contágio zerado. Pode ser. Mas é fato que não há comparação entre os países citados e o Brasil, que na última quinta-feira (30) confirmou mais de 33 mil casos da doença em um único dia. O que interessa para alguns no retorno do esporte, porém, é a narrativa. O presidente Jair Bolsonaro é favorável à volta no Brasil, declarando, no fim de maio, que "até ajuda a deixar o povo em casa, menos estressado". Gabriele Gravina, presidente da Federação de Futebol da Itália, chamou o esporte de "mensagem de esperança" ao anunciar a retomada, na última terça-feira (28). Este discurso, com diferenças aqui e ali, tem se repetido pelo mundo. E agora, não só onde há condições de ter bola rolando, o esporte tem uma chance de fazer valer esta narrativa. Se a ideia é oferecer esperança e conforto, que se comece por um posicionamento antirracista generalizado.

As manifestações que ocorrem por todo o mundo, motivadas pelo assassinato de George Floyd, nos Estados Unidos, mexeram também com o futebol. Clubes e instituições deixam seus apoios virtuais à causa, embora em muitos casos de forma tardia. É justo cobrar de todas as organizações um papel mais ativo e diário na luta contra a desigualdade racial e social. E isso pode começar agora. Para os que viam o esporte como um setor alheio à política e à sociedade, o momento atual é uma chamada à realidade. O impacto do coronavírus mostrou que o futebol depende de um mínimo de equilíbrio social para existir; harmonia que é prejudicada pelo racismo institucional, não pela luta contra ele. Esta busca é necessária em todos os sentidos, da esfera prática à esfera moral. Em campo, os atletas que já voltaram a jogar deixam claro: McKennie, do Schalke 04; Thuram, do Mönchengladbach; e Sancho e Hakimi, do Dortmund, foram contra as regras atuais e fizeram uso de suas vozes.
A quarta das 17 regras do futebol, que versa sobre o equipamento dos jogadores, diz no artigo quinto que eles "não podem conter imagens, manifestações ou publicidades pessoais, religiosas ou políticas".
Veja, "contra as regras" porque tanto no regimento da FIFA, quanto nas regras do jogo da IFAB, há um banimento de equipamentos com manifestações consideradas políticas, caso de três dos quatro jogadores no Campeonato Alemão – Thuram só ajoelhou. A braçadeira de capitão de McKennie até entra em uma das exceções atuais da regra, que já havia sido abrandada recentemente; no entanto, o mesmo não vale para as mensagens nas camisas de Sancho e Hakimi. Os quatro jogadores, agora, terão suas atitudes examinadas para possíveis sanções disciplinares. As mais prováveis seriam para os dois companheiros de Borussia Dortmund. No entanto, após anos de postura dura ante quaisquer posicionamentos do tipo, a FIFA pediu "bom senso" para a liga alemã e todas as outras na hora de julgar tais punições. Não é muito, mas é um começo. Talvez com menos tabu e mais integridade em campo, o futebol possa realmente ser uma mensagem de esperança fora dele, no pós-pandemia.
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