O sistema americano de ligas e a nova lógica da AAF
Recém-criado torneio de futebol americano pode furar barreira que só a NFL mantém.

O fantasma do rebaixamento é algo comum para qualquer torcedor do futebol no mundo. Se o seu time vai mal o suficiente, você simplesmente o vê cair de nível até estar em uma divisão de nível técnico, em teoria, menor. Isso ajuda na rotatividade do esporte, assim como mantém todas as organizações profissionais debaixo de um mesmo guarda-chuva – seja da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) ou de outras entidades. É por isso que muitas vezes estranhamos ao olhar para os esportes americanos e perceber que não existe rebaixamento. Quando a temporada encerra, o último colocado e o campeão sabem que estarão na mesma tabela ano que vem. A falta de rotatividade ajuda a minar um pouco a força das principais ligas estadunidenses, mas cada uma resolveu o seu jeito; menos a NFL. E por diversos motivos.
Primeiro, é importante entender que a formação das três principais ligas americanas veio de fusão com outras associações, que viram na união, não na competição, uma forma melhor de expandir o esporte. Isso ajuda a entender o motivo de não se criarem divisões, afinal, difícil aceitar uma junção para ser considerado o menor da relação.
As fusões também são fruto das épocas em que foram feitas. A Major League Baseball (MLB) foi criada em 1903, enquanto a NFL só em 1966. Importante lembrar, no entanto, que a MLB ainda manteve, até 2000, duas entidades separadas. A própria NFL, mesmo após a união inicial, só se tornou uma única organização completamente em 1970. Detalhes e coincidências dos processos de cada liga.
Mesmo assim, essas uniões não foram o bastante para as necessidades de expansão do esporte. Outras agremiações, ou até mesmo localidades que estavam muito afastadas das grandes ligas, seguiram aparecendo. Quem mais teve de lidar com isso foi o beisebol, por ser o mais antigo dentre os esportes profissionais americanos. Mas sendo o passatempo nº1 desde muito cedo, a MLB conseguiu sobrepujar seus competidores e gerou um mercado gigantesco de times menores, conhecido como Minor League Baseball. De longe a maior das menores, a Minor conta com 256 times espalhados por 4 países. Uma maneira eficaz de dar aos "menores" um caminho até os profissionais, além de manter os fãs satisfeitos em diversos locais, incluindo territórios internacionais.
A NBA, por sua vez, criou uma única liga, que serve como um apanhado de "times B", digamos assim. A D-League possui 15 equipes, filiadas à Associação Nacional de Basquete, se estabelecendo como o espaço que jovens promessas têm para chegar ao físico, ritmo e qualidade de jogo necessárias para o basquetebol americano profissional.
Mas por que justamente o esporte mais popular americano não tem sua liga de base ou um desenvolvimento maior de ligas menores? Existem alguns motivos para tal.
Um dos principais é que o futebol americano demorou a deixar de ser visto como um esporte universitário. Mesmo com a ascensão da liga, a bola oval ainda era extremamente ligada às universidades e escolas, o que impacta diretamente na maneira como a estrutura, fora dos gramados, é gerida. Por conta dessa imensa popularidade no ensino superior, os 32 times profissionais têm mais atletas à disposição do que quase todas as outras ligas.

Outro grande motivo é que, desde que virou nº1, a NFL nunca teve competição à altura. Enquanto NBA e MLB conviveram com ligas novas surgindo e até incomodando, em determinados períodos, a NFL nunca teve isso de verdade. A primeira tentativa, que parecia promissora, foi a United States Football League (USFL), que durou de 1983 a 1985. Um dos principais acertos da nova liga foi apelar para mercados emergentes de fãs, como Phoenix, Jacksonville e Baltimore (que tinha acabado de ser abandonada pelos Colts). Mas os problemas de gerenciamento acabaram falindo a organização em apenas 3 anos.
Em 2000, surgiu a espalhafatosa Extreme Football League (XFL). Aproveitando-se da fama de chata da NFL – apelidada de No Fun League, ou a liga sem diversão –, Vince McMahon, a mente por trás das lutas da WWF, queria um esporte com mais contato, menos regras e, é claro, mais extremo, como o próprio nome sugeria. Apesar de ideias inovadoras como a Skycam, a nova organização sofreu com mudanças de regras no meio da temporada, baixas audiências e um fim melancólico depois de apenas um ano de existência. Percebam o padrão...
Pode parecer sorte que a NFL nunca tenha precisado olhar no retrovisor para se preocupar com o que vem atrás, mas tem muita inteligência por trás. Além da arrogância de acreditar que é inatingível, a NFL sabe ler as demandas do público e esperar a hora de fazer ajustes, tomando o bônus sem precisar do ônus. Todos os mercados emergentes resgatados pela USFL são, hoje, palcos da liga. A Skycam e as pirotecnias de apresentação da XFL foram, aos poucos, introduzidas nas transmissões. A NFL aprende com os erros e acertos das supostas "rivais" e se alimenta delas, atualizando sua lógica de funcionamento sem nem mesmo fagocitá-las, apenas esperando fracassarem. Então como fazer para expandir o esporte além de sua curta temporada regular?
A resposta talvez esteja no que vem fazendo a Alliance of American Footbal (AAF), liga criada em 2018. A organização começou, neste ano, sua primeira temporada. E foi em grande estilo, com um de seus jogos superando até mesmo audiências da NBA. Um dos fatores importantes da nova liga é, de imediato, não querer competição com a NFL. Além de atuar nos meses de folga da "prima rica", buscando audiência dos fãs (órfãos por sete meses), a AAF foi atrás de uma parceria ativa com a NFL, tendo inclusive seus jogos televisionados pela emissora oficial da liga. Além disso, todos os jogadores possuem salários iguais, evitando a inflação do mercado e até facilitando, em cláusula, a ida de qualquer jogador para a NFL, em caso de proposta.
É possível que, finalmente, tenha chegado a hora da NFL mudar seu estilo. Não será necessário olhar pelo retrovisor, apenas pela própria janela. Assim, pode perceber que ao lado da sua limusine tem um fusquinha empenhado não em ultrapassá-la, mas em manter-se perto o suficiente para que as pessoas também olhem pra ele.
(Ah, e a XFL também vai estar de volta ano que vem, mas isso é assunto para outra coluna...)
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