Os clubes cariocas e o futuro do Maracanã
Dupla Fla-Flu assume o estádio: os desafios atuais e, sobretudo, após a nova gestão temporária.

Na semana passada, discutimos aqui no NesF o balanço financeiro recém-divulgado pelo Flamengo, destacando a estabilidade atual do clube e a possibilidade de fazer altos investimentos em busca de títulos. Nesta quarta-feira (24), o rubro-negro pode selar sua classificação para as oitavas de final da Libertadores – e mesmo que não ocorra, a situação é confortável. Além disso, faltam três dias para o Brasileiro da Série A começar. Nele, os cariocas estreiam ante o Cruzeiro, no Maracanã. Palco que, agora, é oficialmente do Flamengo. O primeiro jogo do clube comandando a gestão do estádio não poderia ter sido melhor: vitória e título estadual incontestável diante do Vasco, um dos grandes rivais. Apesar dos gastos ainda não terem diminuído, a receita com ingressos foi substancial e não houve tempo para uma transição completa – o clube deve rever certos custos. Mesmo assim, o cenário é quase perfeito. O time tem estrutura, dinheiro e, agora, estádio.
Pela primeira vez desde sua construção, iniciada em 1948, o estádio jornalista Mário Filho terá os clubes como gestores. Ou melhor, um clube. Apesar da proposta ao governo ter sido feita junto com o Fluminense, apenas o Flamengo pode ser o administrador de fato. Isso porque o clube tricolor não possui certidões negativas de débito, portanto não pode assinar qualquer contrato público. Questão que não compete ao Fla – se está em dia, não deve ser cobrado pelas dívidas alheias. A participação do Flu será à parte, como permissionário, em acordo direto com o rubro-negro. Assim, o custo ainda deve ser dividido entre as duas equipes. A princípio, essa administração dura seis meses, que podem ser prorrogados por mais seis. O aluguel do estádio fica mais barato até para Vasco e Botafogo. Em tese, considerando o quão ruim foi a gestão da antiga concessionária, que teve o contrato rescindido pelo governador Wilson Witzel, há muitas melhorias.

Houve muita contestação, no entanto, em especial por parte do Vasco, que também apresentou uma proposta ao governo de gestão compartilhada entre os quatro clubes. O Botafogo, outro time do Rio que tem seu estádio, não tinha o mesmo interesse no Maracanã, satisfeito com o Nilton Santos para jogos de todos os tamanhos. Os cruzmaltinos possuem um estádio bem mais acanhado, que no atual futebol, dominado por grandes arenas, é insuficiente em partidas de alto apelo e importância. Por si só, isso explica o afã vascaíno, embora haja também a questão abstrata do que o Maracanã significa para o legado de cada clube – o Vasco foi o primeiro campeão da história do estádio e lá levou três de seus quatro Brasileiros. Porém, ainda é exagero argumentar que o Maior do Mundo está sendo retirado de qualquer clube. A gestão rubro-negra é temporária e, acima de tudo, tem aval estatal. O que aconteceu nos bastidores, é difícil saber.
Qualquer lamentação vascaína, via de regra, estará contaminada pela rivalidade com Flamengo e Fluminense. É justo que as rusgas recentes entre tricolores e cruzmaltinos, justo quando o Vasco se aproximava da antiga concessionária – pouco antes do contrato ser rescindido –, sejam vistas como um ponto de virada. Entretanto, defender a fracassada gestão anterior, liderada pela Odebrecht, é quase impossível. Pode não ter ocorrido da forma mais transparente, mas eventual ruptura parecia inevitável. O mesmo pode ser dito sobre a aprovação da proposta do Flamengo. Se seria injusto e corrupto atravessar barreiras legais e morais para entregar o estádio ao clube, também não poderia ser ignorada uma boa proposta apenas por ser do Flamengo. E este ponto é especialmente importante no que tange o futuro do Maracanã. Após os próximos seis meses (ou um ano), haverá edital oficial de licitação para a gestão definitiva do estádio.
O investimento mensal da dupla Fla-Flu no Maracanã não será barato, o que é esperado. Para quem recebe um belo de um apartamento, é o de menos arcar com contas, condomínio e IPTU caros. O aluguel para o governo, pelo menos, caiu para 90 mil reais por jogo. Com a antiga concessionária, custava 120 mil e, em clássicos, 150.
Do ponto de vista do governo do Rio de Janeiro, se a decisão for simplesmente ceder a um clube, o único carioca que parece em reais condições de assumir o estádio e promover gestão equilibrada de um bem público seria mesmo o Flamengo. Não apenas está mais estruturado financeiramente, como tem perspectiva. O futuro rubro-negro, a médio e longo prazo, promete. Não é o caso dos outros – na verdade, o oposto talvez seja mais próximo de Flu, Vasco e Fogo. Há debate conceitual, aliás, sobre o Templo do Futebol ser cedido para qualquer um deles sem contrapartida. Estádio histórico, rico e bem localizado, que já passou por três grandes reformas, a última sendo uma reconstrução total... Arcar só com a operação parece muito barato. E seria, nestes termos, até para empresas, já que é oneroso demais para o estado. Com a decisão tomada, está nas mãos de Fla e Flu mostrar que ela foi acertada: gestão boa e justa de um bem que é do povo do Rio.
A torcida de todos é para que a administração Fla-Flu seja extremamente bem-sucedida até lá, mas também para que a licitação seja aberta e transparente. Na semifinal da Taça Rio, o Vasco foi a campo contra o Bangu com a frase "o Maraca é de todos" estampada na camisa. Vinda do clube que foi preterido, a afirmação é carregada de rancor e autopromoção. Independente de quem seja responsável por administrá-lo, qualquer bem público precisa ser de todos; caso do Maracanã. Para decidir o melhor futuro de um dos principais marcos esportivos e culturais do país, será necessário minimizar a influência das cores e das lealdades clubísticas. Flamengo e Fluminense merecem estar no páreo, em especial caso façam boa gestão. E na licitação, concorrentes competem equiparados. Os próximos meses não podem ser ensaio para uma decisão cantada, como também não devem desqualificar os clubes. Que vença, de fato, o melhor. Para todos.
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