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Para crescer, Copa São Paulo precisou não ocorrer

Cenário político paulistano inviabilizou o torneio de 1987; o que fez muito bem à Copinha.


Nesta quarta-feira (2) tem início a competição de base mais acompanhada pelo torcedor brasileiro. O calendário, é claro, ajuda, já que a Copa São Paulo de Futebol Júnior praticamente não compete com campeonatos profissionais. Mas na edição de 2018, vencida pelo Flamengo, a Copinha registrou audiência histórica para o SporTV, uma das emissoras que transmitem o torneio. A cada ano, a atenção é maior e recordes são quebrados: seja de transmissões ou de participantes e sedes. No ano passado, a final entre Flamengo e São Paulo foi transmitida pela televisão aberta e teve público significativo. Logo mais, às 17h15 de Brasília, Paulista e Red Bull Brasil abrem o campeonato, que chega extremamente badalado para a sua 50ª edição em 2019. Mas deveria ser a 51ª. Para explicar, talvez seja necessário voltar substancialmente no tempo. E também olhar para muito além das quatro linhas.


Durante a Ditadura Militar, a escolha do prefeito da capital paulista não era feita por voto direto, mas responsabilidade do Governador; e o indicado ainda precisava ser aprovado pelo Governo Federal, conforme decretado pelo Ato Institucional #3, a partir de 1966. O Brigadeiro José Vicente Faria Lima, portanto, foi o último prefeito eleito pelo povo em São Paulo, no primeiro semestre do ano anterior. Em outubro de 1965, o regime militar decretou o Ato Institucional #2, efetivamente acabando com o pluripartidarismo e extinguindo o Movimento Trabalhista Renovador (MTR), partido de Faria Lima. Enquanto a maior parte do MTR foi para o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), o prefeito migrou para a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) – só os dois partidos podiam existir – e conseguiu servir até o fim seu mandato conquistado democraticamente. A partir dali, só vinte anos depois os eleitores paulistanos poderiam votar no mandatário municipal de sua preferência.


Detalhe da taça que estará em jogo na Copinha, com destaque para a fachada do Pacaembu: desde 1989, apenas cinco finais não foram realizadas no estádio, que se tornou sinônimo da decisão do torneio. (Reprodução/Facebook FPF-SP)

E assim foi em 1985. Curiosamente, a capital paulista também vivera, entre 1928 e 1953, um longo período antidemocrático e sem eleições municipais. Quando finalmente o quebrou, elegeu o então deputado estadual Jânio Quadros para a Prefeitura. Com campanha muito menor e discurso contra a corrupção – o slogan era "tostão contra milhão" e Jânio aparecia em público com uma vassoura, muito antes do jingle, para simbolizar sua proposta de "limpar" o governo –, Quadros derrotou o governista e amplo favorito Francisco Cardoso. Algo parecido ocorreu em 1985, embora em eleição muito mais acirrada e cenário completamente diferente. Naqueles mais de trinta anos, Jânio havia sido governador, presidente (renunciou após sete meses), detido pelo regime militar e extirpado de seus direitos políticos. Ele chegou para aquelas eleições após anos de inatividade e enfrentou outro Cardoso, Fernando Henrique, tão favorito que sentou na cadeira antes da hora. Perdeu, com pouco mais de 100 mil votos fazendo a diferença a favor de Quadros.


Apoiado por setores conservadores da sociedade paulistana e com fortes cobranças de austeridade sobre seu governo, o novo velho prefeito tomou posse em 1° de janeiro de 1986. A Copinha daquele ano, obviamente, já estava com a organização encaminhada. Começou apenas dez dias depois da posse de Jânio e terminou com vitória do Fluminense sobre a Ponte Preta na final, fazendo do clube carioca o primeiro tetracampeão da competição. Até aquele momento, o torneio era realizado apenas pela Secretaria Municipal de Esportes – ligada, é claro, à Prefeitura de São Paulo. Porém, o retorno de Jânio Quadros ao poder não significaria apenas uma ruptura com o período não-democrático na cidade, mas com muito da estrutura pública do município. Tanto pelas promessas de austeridade quanto pelo contexto. Tinham sido, afinal, quase 17 anos de ARENA (posteriormente PDS, o Partido Democrático Social) e três de MDB; mas Mário Covas teve o apoio de Franco Montoro e da máquina do estado, o que Jânio nunca teve. E uma das secretarias mais modificadas foi justamente a de esportes.


A reestruturação foi lenta e profunda, mas não era uma das prioridades. Na verdade, a gestão Quadros refundou completamente o setor, como Secretaria Municipal de Esportes, Lazer e Recreação (SEME). E o fez em negociação e acordo com a Câmara dos Vereadores, supostamente em uma tentativa também de iniciar o restabelecimento de uma harmonia democrática entre os Poderes. Com isso, o ano de 1986 foi passando. E passando... Até que a Câmara Municipal finalmente aprovou a criação e organização da nova secretaria, em sessão que ocorreu... Em 4 de dezembro. E o prefeito promulgou a decisão na antevéspera de Natal de 1986. Se fosse seguido o calendário costumeiro da Copinha naquela época, o torneio de 1987 teria de ser iniciado no segundo sábado de janeiro: menos de 18 dias após a sanção de Jânio Quadros. Se o prefeito já contestava o custo da competição antes, àquela altura sequer era cogitado realizar a Copinha. Era impossível. Foi impossível.


Em 2018, a "Copinha 50", como tem sido chamada, recebe 128 clubes, divididos em 32 grupos e sediados em 30 cidades diferentes. A final será mais uma vez no Pacaembu, em 25 de janeiro, quando a cidade de São Paulo completa 465 anos.

Assim, não houve Copa São Paulo de Futebol Júnior em 1987. E o fracasso organizacional fez com que a Federação Paulista de Futebol (FPF-SP) assumisse o campeonato a partir dali. O papel da SEME passou a ser de apoio e parceria, não de realização. E a união deu certo. Já em 1988, o torneio voltou e se iniciou a tradição, hoje consolidada, de designar cidades para os grupos durante a primeira fase. Uma mudança fundamental para dividir ao redor do estado os ônus e bônus de sediar a competição – além de dar oportunidade para mais clubes apresentarem seus jovens valores, uma vez que cada cidade-sede tem direito a um time local em seu grupo. De 1992 em diante, a final da Copinha passou a ser parte da festa de aniversário da cidade de São Paulo, outro legado que atualmente é costume. O torneio já era importante; só que foi a partir do fim dos anos 1980 que não apenas cresceu, mas se tornou a maior competição do futebol de base nacional em diversos aspectos, além de se estabelecer como um catalisador esportivo e cultural do estado.


Para isso, é claro, precisou de muito mais do que apenas um ano sem ser realizada. O que nos trouxe até aqui não foi o cenário político de 1986 ou o fato de que Jânio Quadros, em seu primeiro ano de governo, não priorizou a tempo a renovação da SEME. Mas também o que foi feito desde então. E é inegável que a Copa São Paulo é outra se comparada a de trinta anos atrás – enquanto inúmeros campeonatos e inúmeras narrativas do futebol brasileiro se mantêm os mesmos ou, no máximo, se apresentam como reprises malfeitas do passado. E o embrião vem lá dos anos 1980. É só olhar o histórico da competição. A não-realização em 1987 é, literalmente, um marco divisor na história da Copinha. Ainda bem que foi para melhor.


 

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