Returno soberano deu hexa ao São Paulo
Há dez anos, tricolor abria sequência de 18 jogos que o alçou do quinto lugar ao título.

A história do campeão brasileiro de 2008, muitas vezes, se confunde com a do campeão de 2006 e 2007. O tri consecutivo do São Paulo foi um feito histórico e impressionante de um clube moldado para ser perito no formato de pontos corridos, mas os três anos passaram longe de serem compostos apenas por glórias e estabilidade. Não houve, como às vezes pode parecer, um time tricampeão. Houve vários times campeões, com uma base tática e emocional indo além da consistência do elenco, que fizeram do clube tricolor hexacampeão nacional. Especialmente a partir de 2007, quando a equipe multicampeã de 2005 (Paulista, Libertadores e Mundial) e 2006 (Brasileiro) foi desfeita, o técnico Muricy Ramalho e seus comandados precisaram se reinventar para seguir vencendo. E foi o que fizeram.
Quatro jogadores do time-base do Brasileiro de 2006 foram majoritariamente titulares no bicampeonato em 2007. Na realidade nacional, já era muito. De 2007 para 2008, foram sete. Aí, a estabilidade aparece mais. Entretanto, mesmo neste caso ela só veio após os altos e baixos do primeiro semestre. O São Paulo contratou Adriano para comandar o ataque, e ele ajudou o clube a chegar até as quartas-de-final da Libertadores, contra o Fluminense. O Imperador fez os dois gols do tricolor na derrota, no agregado, por 3 a 2, após Washington marcar nos acréscimos no Maracanã. Um trauma que se somava à eliminação no Paulista, contra o rival Palmeiras. E o clube ainda perdeu seu artilheiro, que tinha 17 gols em 28 jogos, para a Inter de Milão, com o fim do empréstimo. Para completar, o time, focado na Libertadores, começou muito mal o Brasileiro e estava na zona de rebaixamento após quatro rodadas. Onde estava a estabilidade?
O São Paulo só conseguia ver, no horizonte, o fim de sua soberania. Pelo menos até o dia 20 de agosto de 2008, há exatos dez anos.
O tricolor teve um aproveitamento de 57,9% no primeiro turno do Brasileiro de 2008. Na recuperação impressionante do returno, o rendimento subiu para 73,7%.
Se em 2018 o São Paulo fez um dos melhores turnos da história do Brasileiro no formato atual, a primeira metade da Série A 2008 não foi fácil para o clube. O time precisou de cinco partidas para alcançar o primeiro triunfo no campeonato e, após 10 rodadas, estava apenas na nona posição. Muito pouco para o atual bicampeão. Porém, mesmo com dificuldades, o tricolor conseguia encontrar períodos de respiro em que parecia ser possível sonhar. Foram duas sequências importantes de três vitórias consecutivas, contra Atlético/MG, Flamengo e Sport; e diante de Palmeiras, Vitória e Botafogo. Quatro destes êxitos foram dentro de casa, assim como as outras vitórias do turno, sobre Portuguesa, Vasco e Goiás. O Morumbi era um trunfo. Mas a realidade do clube ainda era de instabilidade. Na primeira rodada do returno, em jogo-chave, o São Paulo perde para o líder Grêmio. Onze pontos de diferença. Dezoito jogos restantes. Parecia impossível.
Dezoito jogos. Este foi o número que, em 2008, elevou ainda mais o já rico legado do tricolor paulista. Dez anos atrás, em uma quarta-feira, 20 de agosto, o São Paulo venceu o Atlético/PR por 3 a 1 no Morumbi. Ali, o clube iniciava a maior sequência invicta de sua longa história em Campeonatos Brasileiros.
Foi um vagaroso retorno à estabilidade, no entanto. Uma semana depois, contra o mesmo adversário e no mesmo estádio, o tricolor totalmente reserva (exceto por Rogério Ceni) perdeu nos pênaltis e foi eliminado de mais uma competição na temporada: a Copa Sulamericana. Na Série A, três empates seguidos sucederam a vitória sobre o Furacão. Nada indicava que haveria qualquer relevância histórica naquele triunfo no final de agosto. Após vencer o Flamengo e empatar com o Sport, um mês já tinha passado. Era fim de setembro e o São Paulo ainda era o quinto colocado após 26 rodadas. O número de derrotas não aumentava, mas a posição na classificação também não. E mesmo aqueles cinco insucessos – o último ante o Grêmio – já significavam mais jogos perdidos que nos dois títulos anteriores: foram apenas quatro em 2006 e três em 2007. Não havia mais margem de erro.

O time-base da conquista histórica do São Paulo: Rogério Ceni; Rodrigo, André Dias, Miranda; Joílson, Zé Luís, Hernanes, Jorge Wagner, Hugo; Dagoberto, Borges. Téc.: Muricy Ramalho.
E o São Paulo não estava mesmo mais disposto a errar. Nos dez jogos seguintes, nove vitórias. Avassalador. Soberano. Se após os dois primeiros triunfos da sequência, o clube seguia em quinto, o crescimento posterior foi exponencial. Na 29ª rodada, veio a quarta posição, após êxito sobre o Náutico. Na 31ª, já era vice-líder, após bater o Vitória. E finalmente, na 33ª, destruiu o Internacional por 3 a 0 para assumir a ponta da tabela. Todos estes jogos, cruciais e marcantes, disputados no Morumbi. Mas agora o tricolor vencia fora de casa também, como fez contra Ipatinga e Botafogo. A consistência voltou – e o campeão estava prestes a voltar também.
É, inclusive, o que o clube busca hoje. Desde 2008, o único título são-paulino foi a Sulamericana de 2012. O campeão quer voltar. E naquela arrancada espetacular, há dez anos, o tricolor fez 42 pontos no returno para ser tricampeão. Neste ano, o time de Diego Aguirre encerrou o primeiro turno com 41. O desafio atual do São Paulo, para voltar a ser campeão nacional após uma década, é manter o ritmo e não deixar que outro time faça, na outra metade do campeonato – que está prestes a começar –, o que o próprio tricolor fez com o Grêmio em 2008.
Acima de tudo, aquele São Paulo era um time. Porém, é impossível ser campeão sem destaques individuais. Rogério Ceni, Miranda e André Dias foram as rochas defensivas da equipe. O goleiro e maior ídolo são-paulino também fez seus gols, como sempre – foram quatro naquela campanha. Trinta dos 66 gols do tricolor no campeonato, entretanto, saíram dos pés da dupla Hugo e Borges. O meio-campista marcou 14 vezes. Já o centroavante, após oscilações e uma lesão no tornozelo, desandou a fazer tentos decisivos para o time na reta final, terminando o torneio como artilheiro do São Paulo com 16 gols. Hernanes, Jorge Wagner e Dagoberto, remanescentes de 2007, foram líderes técnicos e táticos, enquanto os recém-chegados Rodrigo e Zé Luís encaixaram muito bem no decorrer do torneio. O elenco ainda tinha Jean, Richarlyson e Éder Luís como reservas de luxo. Olhando para trás, mesmo com todas as dificuldades, o time passou o ano inteiro (71 partidas) sem perder dois jogos seguidos. Era um time incontestável. Tão incontestável quanto o título.
A campanha do campeão: 38 jogos, 21 vitórias, 12 empates e 5 derrotas. 66 gols marcados e 36 sofridos.
A taça, aliás, podia ter sido erguida no Morumbi, fortaleza que teve um papel fundamental naquela temporada, como em tantas outras. No entanto, a marca do São Paulo era ser campeão brasileiro fora de casa. Belo Horizonte (1977), Campinas (1986) e Bragança Paulista (1991) já haviam visto títulos do tricolor, antes dos dois seguidos conquistados em casa em 2006 e 2007. É claro que o objetivo era comemorar na penúltima rodada, contra o Fluminense, algoz da Libertadores. Mas a casa são-paulina, lotada, viu apenas um empate. Era a vez da região de Brasília, terra cheia de tricolores, testemunhar a consagração do São Paulo como melhor time do país. Pela sexta vez na história. Pela terceira vez consecutiva.
E assim tinha de ser. O estádio do Bezerrão, na cidade-satélite do Gama, foi inaugurado em 1977, ano do Campeonato Brasileiro que aclamou o tricolor paulista campeão pela primeira vez. E estava destinado a vê-lo triunfar, ainda que ninguém soubesse ainda. Naquele mesmo ano de 2008, o estádio era reinaugurado – após dois anos de reforma – pouco menos de um mês antes da partida decisiva do torneio. O Goiás recebeu um São Paulo histórico, invicto há 17 jogos. Faltava um. O gol de Borges, aos 22 minutos, garantiu que não faltasse mais. 1 a 0. Nos três primeiros anos de Série A por pontos corridos e com 20 clubes, só um deles havia sido campeão. O tricolor era hexa. E tri. E soberano, acima de tudo.