Salve os Jorges
Um passeio pela obra do Jorge que não é Jesus e que, do amor pelo Flamengo, fez música.

O ano já é rubro-negro. Mas antes de 2020 chegar, pode ter mais gol do Gabigol – e mais troféu a caminho da Gávea. Semana que vem, o Flamengo entra em campo querendo a taça do Mundial de Clubes. Se for para a final, pode encarar o Liverpool, como em 1981. Naquele tempo a competição era chamada Copa Intercontinental. O time de Zico foi campeão com dois gols de Nunes e um de Adílio: 3 a 0.
Aquele Flamengo do início dos anos 1980 voava. Além dos títulos internacionais, foram três brasileiros. Na trilha sonora, entre João, Moraes e tantos outros, havia um Jorge. Jorge Ben Jor. Dono de um amor antigo pelo clube, que começou numa tentativa frustrada de ser jogador de futebol. Ele chegou a atuar no infanto-juvenil do Flamengo, era ponta-direita. Mas uma contusão o lançou dos gramados para os palcos.

O futebol e o Flamengo acompanharam a carreira musical de Jorge desde os anos 1960. No disco Big Ben, de 1965, ele pede: Deixa o menino brincar. "Menino que antes de ir pra escola / Joga bola e põe a pipa no ar / Ele sabe que pode apanhar / Mas o anjo menino quer brincar." E o menino Jorge seguiu brincando, inventando combinações e brasilidades.
Quatro anos depois, o clássico álbum Jorge Ben traz capa com ilustração de Albery. Jorge, com grilhões quebrados nos punhos, segura um violão onde aparece gravado o escudo rubro-negro. "Eu tenho um fusca e um violão / Sou Flamengo / Tenho uma nêga chamada Tereza". País Tropical está naquele disco de 1969, que acabou de completar 50 anos, justo no mês de novembro, em que o Mengão comemorou dois títulos em dois dias. Um hino de alegria que não desgrudou mais das playlists de festa e da memória nacional.

Em 1972, o Flamengo enfrentava o Benfica, de Portugal, num torneio de verão no Maracanã. O primeiro tempo ficou no 0 a 0. E o segundo se desenrolava no mesmo ritmo, até que o atacante Arílson, após uma disputa de bola, teve que ser substituído. Entra Fio Maravilha. Do meio da torcida, Jorge Ben viu a jogada que virou música. "Tabelou, driblou dois zagueiros / Deu um toque, driblou o goleiro / Só não entrou com bola e tudo / Porque teve humildade em gol."
O gol de Fio não tem registro em vídeo. Nem precisa. A magnética e o Brasil viram o lance pelos olhos de Jorge Ben, que fez um gol virar hit. Naquele mesmo ano, a música, interpretada por Maria Alcina, venceu o Festival Internacional da Canção e, no voz do torcedor-compositor, fez parte do disco Ben. Depois, uma contenda jurídica com o jogador fez Jorge mexer na letra, trocando a referência a Fio por "filho".
Em Cosa nostra, do álbum 10 Anos Depois, de 1973, Jorge Ben brinca com Sérgio Cabral (o pai), dizendo que ele é Vasco por fora, mas Flamengo por dentro. O LP A Tábua de Esmeralda, de 1974, tem entre as faixas Eu vou torcer. Além de torcer pela paz, pela alegria e pelo amor, Jorge faz constar que também torce pelo Mengão.
Os pouco festejados beques não são esquecidos por Jorge Ben. A canção Zagueiro abre o disco Solta o Pavão, de 1975. "Zagueiro tem que ser malandro / Quando tiver perigo com a bola no chão / Pensar rápido e rasteiro / Ou sai jogando ou joga a bola pro mato / Pois o jogo é de campeonato." Em 1993, no disco 23, ele volta à defesa com Goleiro (Vou lhe avisar). "Goleiro não pode falhar / Não pode ficar com fome / Na hora de jogar / Se não é um frango aqui, um frango ali, um frango acolá."
No LP A Banda do Zé Pretinho, de 1978, Jorge lamenta: Cadê o pênalti? "Mas como não foi possível / Isso tudo acontecer / A cidade, magoada e triste, grita e chora." A mais recente canção boleira registrada em disco, O nome do rei é Pelé, aparece no CD Reactivus Amor Est (Turba Philosophorum), de 2004. "Pelé de todos os tempos / Incomparável Pelé, Pelé / Pelé da arte e da magia / Com a bola nos pés, Pelé."
Bem antes do rei, o maior craque flamenguista recebeu sua homenagem musical de Jorge Ben. Camisa 10 da Gávea está no disco África Brasil, de 1976. O Galinho de Quintino chegou! "Ele tem uma dinâmica física, rica, rítmica / Seus reflexos lúcidos / Lançamentos, dribles desconcertantes / Chutes maliciosos são como flashes eletrizantes / Estufando a rede num possível gol de placa."
Naquele mesmo disco, foi gravado o sucesso Ponta de lança africano (Umbabarauma). Quando o Flamengo contratou Gabriel Barbosa, no início deste ano, os artistas Ivo Meirelles, Buchecha, Dudu Nobre, Xande de Pilares, Sandra de Sá e Kuringa deram as boas-vindas ao jogador com uma paródia da canção de Jorge Ben. Em vez de "homem gol", "Gabigol". Quem sabe, depois da temporada histórica, o Gabigol não ganha sua própria música.
Embalado por Jorge Ben Jor e comandado por Jorge Jesus, o timaço rubro-negro segue para o Catar com a missão de dar um Brexit futebolístico no Liverpool de Mané e Salah. Boa sorte ao Flamengo. E salve os Jorges!
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Essa foi a saideira do Boteco da Cultura. Quem sabe um dia a gente volta a bater bola por aqui. A cada passante que entornou nossos textos nos últimos 12 meses, muito obrigado.
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