Sim, a NFL se importa: com o próprio bolso
A forma como Kareem Hunt foi suspenso reitera que a Liga só consegue acertar errando.

As imagens da câmera de segurança são perturbadoras. Em um corredor de hotel, um homem grande e visivelmente alterado precisa ser contido por outras pessoas para que não agrida uma mulher. A força descomunal do rapaz permite que ele saia da contenção feita pelos demais; ele empurra a jovem no chão e a chuta. Em qualquer outro país, provavelmente esse tipo de material seria exibido no noticiário policial, mas acompanhar a Liga Nacional de Futebol Americano (NFL) tem tornado cada vez mais comum que se veja tais cenas sob a moldura do jornalismo esportivo dos Estados Unidos.
A NFL sempre gosta de ressaltar o quanto preza pelos seus atletas e pela saúde deles. Outra grande preocupação da liga é o andamento das partidas, monitorado com mudanças de regras para causar menos impactos e restrições cada vez maiores ao que pode ser feito fora de campo – se os envolvidos não quiserem pagar uma bela multa. Infelizmente, o discurso se mostra vazio e cai por terra justamente em casos como o de Kareem Hunt, ex-jogador do Kansas City Chiefs, protagonista da cena descrita no parágrafo anterior.

O esporte é, em um cenário ideal, o escape do cotidiano. Durante os minutos entre os apitos inicial e final, "todos" os problemas da nossa vida estão sendo decididos dentro das quatro linhas do campo. É também por isso que o esporte nos inspira tanto e é responsável por certos parâmetros morais que admiramos. Com isso em mente, a NFL está corretíssima em punir qualquer atleta que fuja deste propósito. No entanto, em meio a uma epidemia de casos de agressões físicas como a de Hunt – que foi acusado de outros dois episódios de violência desde então – e com real possibilidade da Liga ter ignorado as evidências, tudo parece falso.
Não faz muito tempo, ficamos estupefatos com o nocaute de Ray Rice em sua companheira no elevador de um cassino. Caso ainda mais grave que o de Hunt, é claro, e o banimento do jogador foi amplamente apoiado e tomado como uma decisão certeira da NFL. Essa impressão, entretanto, só durou até o descobrimento de que a Liga sabia da agressão (e até mesmo possuía parte do vídeo) seis meses antes da notícia se tornar pública.
Ou seja, a maior preocupação não é com os episódios de violência. O que mais importa é aquilo que a NFL acha que vai perder. Credibilidade, torcedores, ingressos vendidos... Renda, no fim das contas. Como seria concebível para a Liga, afinal, tirar um de seus melhores jogadores da temporada por conta própria? Curiosamente, a indagação pode ser feita tanto para o caso de Rice, quanto para o de Hunt. Em ambos os casos, a NFL só agiu quando se viu contra a parede da opinião pública.
A inação da NFL em casos de violência fica ainda mais eloquente quando é comparada ao rigor da política da própria Liga com o uso de substâncias como a maconha (que não é considerada ampliadora de atuação desportiva). Jogadores como Josh Gordon, Martavis Bryant e Randy Gregory já ficaram suspensos por temporadas inteiras por conta da droga.
A hipocrisia se agrava quando qualquer investigação já se torna cabível de punição. Fica claro que a Liga usa as "oportunidades" para dar um trato em sua imagem, e o que deveria ser um código de conduta acaba virando um pano quente para disfarçar os problemas reais. Quem lembra da suspensão de Ezekiel Elliott na temporada passada por suposta agressão? Ficou logo para trás, justamente pelo jogador ter perdido seis partidas em 2017 e isso já ser punição "suficiente". A NFL agiu rápido, mas sem rigor. Não importam culpa, inocência, processos legais ou o simples fato do esporte mais popular do país estar infestado por agressores de mulheres; importa a sensação generalizada de que a Liga "fez sua parte". E pronto: tudo pode seguir correndo normalmente. É pouco.
A NFL tem o poder de transformar o esporte em algo ainda mais nobre e que inspira a todos nós. Mas antes precisa aprender que, às vezes, é necessário controlar a própria ganância para que isso aconteça.