Uma bola com Novos Baianos
Banda brasileira fez sons que marcaram a década de 1970, tabelando futebol e a música.

Eles ouviram Jimi, Janis, João. Tatearam um Brasil do pandeiro, da guitarra, do suingue. E comeram a bola. Há 50 anos, pela lei natural dos encontros, calhou de Moraes Moreira, Luiz Galvão, Paulinho Boca de Cantor, Pepeu Gomes e Baby Consuelo (hoje Baby do Brasil) se misturarem em Salvador. Àquela altura, 1969, o AI-5 já vigorava, Gil e Caetano haviam sido presos e partiam para o exílio em Londres. Apesar do vazio deixado pelos expoentes do Tropicalismo, Novos Baianos estavam na área.
Dadi, Baixinho, Bolacha e Jorginho Gomes, irmão de Pepeu, também entraram para o time. Os Novos Baianos, além da banda, formavam mesmo um time de futebol – com direito a reforços eventuais de craques profissas. O baba, como chamam pelada na Bahia, era sagrado nos tempos da vida comunal e profana no sítio Cantinho do Vovô, na Estrada dos Bandeirantes, zona oeste do Rio de Janeiro. Ali viviam todos eles, juntos, sem interesses materiais, a não ser por jogos de camisa, chuteiras e bolas.
"Começamos a levar o futebol tão a sério como a própria música. Houve um tempo que com o pouco dinheiro que ganhávamos, a gente comprava chuteira em vez de comida. Tínhamos que estar bonitos. Chegava o Afonsinho para jogar, Jairzinho jogava no nosso time, entendeu? E a gente começou a jogar com os times da região. Os caras morriam, mas não queriam perder para os cabeludos. Era uma loucura. Muitas vezes a gente só jogava viajando de ácido. Fazia uma jogada e caía no chão dando risada. Os caras não entendiam nada", lembrou Moraes, em entrevista ao cientista social Fabio Ferron e ao poeta e editor Sergio Cohn.

No livro Novos Baianos: a história do grupo que mudou a MPB, Galvão fala sobre o futebol na rotina da banda: "Nosso time nos ajudava a vencer aquele tempo, preenchia as horas vagas, ocupava nossa inteligência (...)". Se o Brasil encarava uma época de chumbo e repressão, o antídoto daqueles cabeludos era a alegria, cheia de cor, nas pernas e no som. Baby, a menina de Niterói no meio da rapaziada, também entrava no espírito boleiro. No programa Ensaio, da TV Cultura, gravado em 1973, ela dança vestindo a camisa do time, número 7.
A paixão futebolística invadiu os ensaios e os discos. Era parte da viagem dos Novos Baianos pelo cosmos da brasilidade. Em Acabou chorare, de 1972, considerado um dos melhores álbuns da música brasileira, Baby entra no jogo depois de esgotar o tempo regulamentar com A menina dança; Moraes aponta para o sol, para o Maraca e para a morena na ode ao viver do samba Besta é tu e, com a música-título, ia tudo para escanteio.
No ano seguinte, sai o disco Novos Baianos F.C. A foto de capa traz o time com seu tradicional uniforme aurirrubro batendo um baba num ambiente bucólico, com arvoredo ao fundo. A bola quica pelas faixas. "Tá pensando que tudo é futebol?", é a pergunta que vem entre as dores e o doido de Vagabundo não é fácil. Ah, e se o clima atrapalhar, nem esquente a cabeça com Os pingo da chuva, mesmo querendo o sol para pegar praia e bater bola.
Só se não for brasileiro nessa hora, do mesmo álbum, começa com a imagem-memória da primeira bola furada no meio da rua. Aparecem Juazeiro, terra de Galvão, e Ituaçu, de onde veio Moraes. Aquele menino da bola furada, já crescido, segue jogando porque sofre. E tenta continuar menino, e jogar futebol o ajuda a continuar menino. Mas um menino atrás da bola, cheio de vida, acaba atropelado, deixando a vida pela bola. Tristemente linda canção.
O disco Novos Baianos, conhecido como Linguagem do Alunte, de 1974, carrega a desparafusada Ao poeta, declamada por Paulinho Boca, em que o vascaíno Rrrroberto Dinamite é citado em meio a uma digressão sobre o som do erre. Lá também está o frevo Reis da bola lembrando que são anos de futebol correndo em nossas veias e com referências ao botafoguense Jairzinho – um dos heróis do tri de 70, com presença no ataque brasileiro do Mundial de 74 – e ao Rei Pelé.
Moraes decide, então, se aventurar noutras freguesias. Mas a bola continua a rolar para os Novos Baianos. Vem o álbum Vamos pro mundo, ainda em 1974, e nele Baby interpreta Guria, com a lição de que marcar é pior que perder gol. No disco Cai na estrada e perigas ver, de 1976, tem versão de Ziriguidum, de Jackson do Pandeiro, com o agarra, pega, puxa, estica e larga do futebol, e a suave Suor do sol, dos joões da bola, da vitrola, do verbo.
Antes de tirar o time de campo, o grupo ainda gravou Campeão dos campeões, no disco Praga de baiano, de 1977, homenagem ao Esporte Clube Bahia. Num reencontro 20 anos depois, o futebol apareceu uma derradeira vez no irreverente reggae A mídia, registrado no álbum ao vivo Infinito circular. Rola, na música, uma transa com direito a narração: "Vai meter, meteu… Goooo-zou! Gozou, mas a camisinha furou. Seu ovário marcou gol contra!"
A carne e o coração dos brasileiros foram afetados pelos Novos Baianos. A epidemia de carnaval com rock n' roll, de Tropicalismo com Bossa Nova, que foi lá atrás buscar Assis Valente e Ataulfo Alves, alastra-se até hoje nos fones de ouvido de várias gerações. A novidade daquele som não envelhece. E olha que, segundo os cabeludos, mais do que de música, eles eram mesmo bons de bola.
*colaborou Mayra Leal
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